segunda-feira, julho 09, 2018

Crianças

Frequentemente deparo com artigos ou discussões onde se fala das crianças apenas em termos de crianças bem ou mal comportadas. Contudo, na minha opinião, parece-me que a essa visão das crianças, escapa o essencial.

Christiane Singer disse que a grande infelicidade do nosso mundo vinha de nos encarregarmos da educação das crianças, em vez de as deixarmos tratar da nossa. Eu concordo com ela. Não quer isto dizer que as crianças não devam ser ensinadas, devem! Mas, ao mesmo tempo, cabe-nos também a tarefa de aprender com elas. As crianças transportam para as nossas vidas, a bem ou a mal, níveis de autenticidade e de profundidade a que muitos de nós simplesmente não estamos habituados. É inevitável, faz parte da própria natureza das crianças.

Contudo, no mundo em que vivemos, somos cada vez mais superficiais, temos cada vez mais máscaras e a nossa verdade diluí-se. E só a criança tem a coragem de nos levar aos nossos limites, de nos arrancar as máscaras, as representações que se sobrepõem ao nosso verdadeiro eu. A relação de um pai ou de uma mãe com um filho ou uma filha é uma das relações mais profundas e verdadeiras que podem existir. Na minha opinião, a pessoa que é a/o mãe/pai e a pessoa que é o/a filho/a são, em si mesmas, menos verdadeiras do que a relação que se estabelece entre elas. Digo isto no sentido em que as pessoas inevitavelmente acabam por desaparecer, mas o amor permanecerá, para sempre.
Paralelamente ao nascimento da criança, ocorre o acto de nascer como mãe ou como pai, que é, em si mesmo, um processo sagrado. O sagrado que, quando chega à nossa vida, não deixa pedra sobre pedra. De modo que não me parece certo que se reduza tudo isto a nada e se fale de um modo generalizado em crianças obedientes ou desobedientes, crianças mal ou bem comportadas. A generalização muitas vezes conduz-nos à ilusão do conhecimento. E aquilo que pensamos ver, torna-se de todo invisível. Mas, de certa maneira, já todos nós nos habituamos a ser invisíveis, total ou parcialmente. Ora, as crianças ainda não estão habituadas a isso e querem ser vistas! Da mesma forma que nunca, jamais, abdicam de ver realmente a mãe e o pai. Dou graças por isso! E dou graças por um mundo onde as crianças podem, cada vez mais, ser crianças.

10 de Junho de 2015.

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