sábado, novembro 23, 2019

Vitória da Samotrácia

Eu adoro esta estátua. A maravilhosa e alada Vitória da Samotrácia faz parte de mim, há muito tempo. Já fazia parte de mim quando adolescente vi, pela primeira vez, o pôr do sol sobre o mar. Talvez pela forma de proa de embarcação da sua base, ligada às suas magníficas asas, talvez por outras razões que não identifico, a verdade é que facilmente a imaginei lá, nesse momento em que o céu se liga ao mar. Depois, bem, depois imaginá-la lá nesse instante e nesse lugar onde o sol desaparece no horizonte do mar, tornou-se quase tradição, para a minha mente estranha e absurda. :)

Hmm, eu sei bem que aquilo que amamos, amamos a sós... e daí? ;)


quarta-feira, novembro 20, 2019

Umbilicus rupestris

Estou a saborear um novo chá, que é delicioso. E a música de Eivor ecoa nas minhas células, enquanto penso no umbigo de vénus. Na verdade, nunca entendi por que razão se pode dizer verde alface e não verde umbigo-de-vénus. Eu adoro esta plantinha, que é um umbigo lindo, lindo. :)

Todos os dias, durante a semana, passo junto a um longo muro, onde os umbigos se multiplicam, levando-me a imaginar aquelas pequeninas e sexys vénus verdes, pelo muro fora. Ao mesmo tempo que a música invade a minha mente. Som e visão, as duas formas perceptivas que os gregos mais valorizavam, mas não as minhas prediletas.  

Bem, os gregos, mestres da beleza, pintaram os cabelos de Afrodite de azul. Eu, pela minha parte, gosto de imaginar aquelas pequeninas vénus verdes, que no suave toque reintroduzem em mim a energia da vegetação. Assim, aquele muro transforma-se, modificado pelas relações que eu estabeleço e que fazem dele uma espécie de berço ctónico, telúrico e primitivo, ligado à pátria granítica. 

O valor sagrado que as sociedades primitivas atribuíam, por exemplo, a certas rochas, não residia nas rochas em si mesmas, mas naquilo que representavam, porque imitavam alguma coisa, porque vinham de algum lado especial, em suma, porque tinham em si algo diferente delas mesmas. O mesmo se passa com o meu berço ctónico.

Se a consagração, a sacralização se fazia pela via da imaginação, já a verdadeira participação naquele poder mágico/sagrado fazia-se sobretudo pelo toque, bem mais do que pela litania ou pela invocação.

Pronto, fico por aqui. Até porque o chá já acabou e, agora, os meus pensamentos são outros.



quinta-feira, novembro 07, 2019

Viagem de comboio na Linha do Tua


Já passa muito da meia-noite, é outro dia. Mas, para mim, ainda não é. Ah!, que sugestão maravilhosa! Bem, hoje foi um bom dia, mas este final transforma-o, torna-o memorável. Muito obrigada! :)

Durante cerca de meia hora, fui novamente a miúda que adorava esta viagem e que raramente parava de olhar o rio Tua, em baixo, ora quase ao nível da linha, calmo e pacífico, ora longínquo, no vale profundo, correndo selvagem pelo meio das pedras. Neste vídeo o rio mal se vê e isso levou-me a pensar que talvez, na minha própria peregrinação, o elemento fundamental, que define tudo o resto, também seja apenas intuído.

Bem, em tempos, escrevi aqui, na minha clareirazinha, o seguinte: «Eram 6 horas da manhã e eu estava com a minha família, na estação dos caminhos de ferro, à espera de comboio. Pouco antes de chegar o comboio, veio a correr um miúdo pouco mais velho do que eu, com quem eu tinha brincado as férias todas. Aproximou-se e deu-me dois beijos, despediu-se de mim. E quase de imediato, entrei no comboio. Percorri a linha da Tua, até Mirandela, num estranho estado de desligamento... Não sei se estava ou não apaixonada. E esses termos ainda não existiam para mim, na altura. Mas, para sempre, dentro de mim, as estações de comboios e, em especial, a linha do Tua, ficaram associadas a algo que nos transporta para fora de nós próprios, a uma estranha sensação de agigantamento.»

Tinha 12 anos e essa não foi a primeira viagem que eu fiz na linha do Tua, mas foi a primeira vez que a paisagem me disse claramente quem eu era. Foi a primeira vez que eu senti, de verdade, a canção da saudade, a subir da terra ao céu. Bem, quando penso nisso, sou levada a crer que a primeira vez que a saudade se manifestou - a saudade galaico-portuguesa, que não é uma palavra, mas sim um método de ascensão, de transfiguração – foi muito mais tarde, mas não é verdade, foi aqui, através da paisagem.

Esta viagem já não se pode fazer, a não ser virtualmente ou por via da memória. Mas, esta noite, que bom que foi fazê-la de novo, tão inesperadamente, como um presente perfeito.

Era uma viagem que durava duas ou três horas, o vídeo está acelerado, mas isso não importa. Foi maravilhoso fazer novamente esta viagem e levar comigo as pessoas que eu amo, recriando completamente aquele momento do meu passado. Obrigada!


Viagem de comboio na Linha do Tua.