sexta-feira, setembro 25, 2020

Uma rapariga à janela

Não basta abrir a janela 

Para ver os campos e o rio. 

Não é bastante não ser cego 

Para ver as árvores e as flores. 

É preciso também não ter filosofia nenhuma. 

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. 

Há só cada um de nós, como uma cave. 

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; 

E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, 

Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


Alberto Caeiro


Hoje, o facebook de uma amiga trouxe este velho poema. Bem, na minha vivência da espiritualidade, este poema de Pessoa reflecte uma das minhas ideias principais: a noção de que o sujeito que vê e o acto de ver não são a mesma coisa. Esta noção leva-me à procura de uma representação do mundo, onde eu não detenho o foco central, mas sim o mundo em si mesmo. Contudo, a nossa visão do mundo e sua consequente representação, com o foco no sujeito, em quem vê, mesmo sendo um conceito moderno, está demasiado entranhada e não é nada fácil libertarmo-nos dela. 

Bem, para terminar, deixo uma janela para um mundo antigo, através da fantástica banda Sangre Cavallum e deste maravilhoso álbum Veleno de Teixo. E ainda uma rapariga à janela, de Salvador Dalí.



quinta-feira, setembro 24, 2020

Manhã de chuva

Post que coloquei no facebook:

Acordei triste esta manhã, mas hoje está um belo dia de chuva, não é um dia para se estar triste. :) A chuva, como tudo na vida, é mais bela quando é sentida. Como disse Bob Dylan, uns sentem a chuva, outros apenas se molham. Eu não quero ser dos que apenas se molham... :)

Termino este pequenino post com uma alegre pintura de Pete Rumney e com um segredo... :) O segredo vi-o ontem no facebook de uma amiga e dizia que o adulto acredita no que existe, mas a criança só existe no que acredita. Já não sei de quem é a frase, mas sei que me fez sorrir quando a li. Eu tenho gostos simples, gosto de coisas que me fazem sorrir. :)

Bom dia. :)











Depois, em resposta a alguns comentários, deixei dois pensamentos que transcrevo, talvez para voltar a eles mais tarde... 

«Para mim, tal como para Pessoa, tudo é símbolo e analogia. Também eu falo da beleza de andar à chuva, quando chove, ou ao sol, quando está sol. Sei bem que um dia de chuva ou um dia de sol deviam ter encanto em si mesmos, mas temo que tudo se misture e que sejam as memórias que atam e desatam o sentimento. É a demanda pela eternidade, não é? Hmm, gostas de Dalila Pereira da Costa? "Ah, mas sinto que nada mais hoje devia ter feito, dito, do que pensar, fundo, reviver, reaver, essa vida num dia."» 

«Se calhar, digo eu e eu engano-me muitas vezes, o dia que amanhece com chuva deprime-te porque sentes que não há ali nada teu, naquele amanhecer. Mas já houve e pode haver de novo… "Ah, a frescura das manhãs em que se chega…" como dizia Pessoa. Bem, eu creio que mais importante do que chegar a algum lado, talvez seja chegarmos nós à manhã que começa. Não sentes que nos deixamos repartir por muitos lugares e por muitas preocupações? Ultimamente, eu sinto profundamente a necessidade de aprender a reagrupar o meu eu e simplesmente chegar… chegar à frescura das manhãs, quer sejam de sol ou de chuva.»



sábado, julho 04, 2020

Filmes em família.

Esta noite foi uma noite como muitas outras, durante o verão. Vimos dois filmes em família. Sim, dois. Naturalmente, por duas simples razões: somos excessivos e um filme acaba muito antes do sono chegar. Começamos com uma comédia de 2014: Alexander and the Terrible, Horrible, No Good, Very Bad Day. Não posso dizer se é ou não uma boa adaptação do livro de Judith Viorst, uma vez que nunca o li. Mas posso dizer que gostei do filme e que me ri bastante.

O segundo filme foi outra adaptação de outro livro famoso, este muito mais conhecido por cá: O Jardim Secreto, de Frances Hodgson Burnett. Tratou-se do filme de 1993, de Agnieszka Holland, que é lindíssimo. Eu também gostei muito do filme dela de 2017, Pokot. Mas esse não é nada adequado para ver com uma criança de 11 anos. Pelo contrário, Jardim Secreto é perfeito para terminar uma noite de cinema em casa e em família, que se quer bela e mágica. :)


quinta-feira, julho 02, 2020

Um sonho só acaba, para dar início a outro...

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

Miguel Torga

É bem possível que um sonho só acabe, para dar início a outro. ;)

Pintura: Fairy Dance, de Hans Zatzka (1859-1945).


Passamos pelas coisas sem as ver

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

O poema é de Eugénio de Andrade, um poeta que eu muito aprecio. Ele tem razão, o mundo deixa-nos assim, se permitirmos. É tão fácil ficarmos meras sombras de quem fomos e de quem queríamos ter sido... Como se luta contra isto? Bem, eu só conheço uma maneira: sendo feliz. A felicidade devolve-nos a nós próprios, deixa-nos inteiros. Se não muda o mundo à nossa volta, muda certamente a nossa maneira de ver esse velho mundo, que amanhece sempre novo, em cada dia. :)


quarta-feira, junho 24, 2020

Cariatide tombee portant sa pierre, de Rodin.

Um post do face, de rochas numa praia em África, levou-me a pensar numa conhecida escultura: Cariatide tombee portant sa pierre, de Rodin.

Rodin fez mais do que uma Cariátide caída...  Para quem não se lembra, Cariátide é o nome dado à figura de uma mulher, tipo coluna, que era usada como poste de sustentação da parte de cima de um edifício, na Grécia antiga.

O nome vêm de outras Cariátides, raparigas que dançavam para a deusa Artemis e que, nas suas danças circulares, carregavam na cabeça cestos com juncos.

Admito que tudo isto me agrada. Gosto da sonoridade da própria palavra, gosto da ideia da dança em círculos, com plantas a sair das  cabeças das jovens, e gosto da arquitectura grega. Naturalmente, também gosto da escultura de Rodin, com a bela Cariátide abraçando-se a si própria, ao mesmo tempo que o peso da pedra que carrega a derruba e a destrói. Há imensa beleza e compaixão, que me emociona. :)

Braga, 22 de junho de 2020.

sexta-feira, abril 17, 2020

Um melro ao crepúsculo...

Dantes era azul
a cor dos sonhos
e a imensidão do mar
por navegar.
(…)

Começa assim um poema de Maria Alberta Menéres. Nem sei por que razão isso me ocorreu, neste instante, enquanto olho lá para fora e vejo as tílias, viçosas e luxuriosamente verdes, a dançar com o vento.

Ontem, igualmente ao fim da tarde, quando o sol já desaparecia a oeste, eu também estava aqui, no mesmo sítio, sentindo que precisava de um sinal, um sinal qualquer, só porque sim. Nesse instante, um melro pousou na grade junto à pequenina e intensamente florida macieira, que cresce num vaso na minha varanda. E o melro deixou-se ficar quieto, simplesmente a olhar para mim, ou para o meu mundo, ou para outra coisa qualquer. Um melro ao crepúsculo é, sem dúvida, um sinal. Ainda assim, eu hoje continuo aqui, no mesmo lugar, quase igualmente desorientada e distraída.

Não o fotografei, quando me levantei para ir buscar o telemóvel, o melro voou para longe. Contei ao meu filho, que se riu e me disse: «se não o fotografaste, não conta!». Isso fez-me sorrir. Mas, agora, começo a questionar-me se ele não estaria certo…

Neste instante, noutro lugar, alguém acabou de fotografar um melro, ao crepúsculo. E sentiu a força desse sinal. Hmm, como é que eu posso ter tanta certeza? Na verdade, não é uma questão de fé. Acabei de receber um email, não com uma fotografia, mas com um vídeo de um belo pássaro negro... ;)

Azul. Azul é a minha cor favorita, por muitas razões. Também porque dantes era azul a cor dos sonhos e a imensidão do mar por navegar.

Maria Alberta Menéres morreu esta semana. Ontem, também morreu Luis Sepúlveda, outro escritor que eu muito aprecio. É triste. É a vida, que começa para uns e acaba para outros.

Termino com uma ilustração de Jeanne Waltz.

Boa noite.


terça-feira, janeiro 07, 2020

Novo ano, novas ideias.

Hoje, o face mostrou-me uma memória de 2018, onde afirmo que uma das minhas resoluções de Ano Novo foi deixar de falar da minha vida insignificante e passar a falar de ideias. Hahahaha…

Ainda no mesmo post, com a desculpa de que os velhos hábitos demoram a desaparecer, falei do meu primeiro livro de 2018: um tratado das flores, de 1824, do qual já só tenho uma ideia muito vaga. Lembro-me sobretudo da estranheza de um livro de botânica que não tinha uma única imagem. A memória é uma coisa interessante, mas também estranha.

Em 2020, já que eu não consigo libertar-me do vício de olhar para o meu passado, quero ver apenas experiências, umas com melhores resultados do que outras, algumas com elevado nível de sofrimento, mas, ainda assim, apenas experiências, sem os rótulos certo ou errado.

Hmm, eu estou a envelhecer. Envelhecer é uma coisa boa, creio que ansiei por isso toda a minha vida. Não pelas rugas nem pelos cabelos brancos, naturalmente. Mas por aquela sabedoria, ainda que pouca, que só vem com a idade. Só a idade nos faz olhar o tempo de outra maneira, valorizando-o como aquilo que realmente é: insubstituível. Só a idade nos traz o prazer crescente das coisas simples.

Ao mesmo tempo, precisamente por ter consciência de que estou a envelhecer, anseio por coisas novas. Desvio-me do percurso habitual e caminho por outras ruas. Experimento novos sabores, novos lugares. Ouço novas músicas. Contudo, nos filmes e nos livros noto que tendo a regressar aos velhos amores. O que, naturalmente, também não é proibido. ;)

Por falar em filmes, num filme sul-coreano que eu vi no ano passado, do qual não recordo o nome, uma personagem estava a fazer um curso de poesia. Bem, esse não é o enredo principal da história, ainda que pudesse ser. É só uma linha secundária do argumento, que me cativou. Então, foi ensinado à personagem que o primeiro passo para trazer a poesia para a sua vida era, precisamente, reparar nas pequenas coisas, que facilmente passavam despercebidas, na azáfama dos dias. Admito que gosto disso. Há dias em que reparo em coisas nas quais nunca tinha reparado antes e isso é muito gratificante. Também é interessante manter a minha mente focada, orientada para singularidades.

Hmm, não sei bem por que razão, os meus pensamentos levaram-me para Ayn Rand e o egoísmo como virtude. Mas isso não é o que eu professo, de todo. Contudo, sinto que tem que haver um equilíbrio. Certamente, não quero viver totalmente em função de mim própria, mas também não quero viver totalmente em função dos outros, mesmo que os outros sejam aqueles que eu amo.

Termino, então, este primeiro post mais pessoal, de 2020, com uma frase do Dalai Lama: «Sê sabiamente egoísta.» ;)