«Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.»
São os Bosques dos Poetas.
O poema é de Eugénio de Andrade. O bosque dos poetas é meu.
Não acham que era uma boa ideia construir lá um espaço que seria o nosso bosque
dos poetas? Vá lá, participem. :)
O Artur, que é ainda um menino pequenino, vai plantar um
negrilho (que eu lhe vou arranjar) junto a uma fraga. Um negrilho para o Miguel
Torga, plantado por uma criança. Creio que ele ia gostar... :) O negrilho
(Ulmus minor) é uma variedade de ulmeiro (Ulmus campestris), típica de
Trás-os-Montes. Assim, o Artur que dizia Olá a uma árvore no parque do infantário
(e que foi marginalizado por causa disso), plantará um negrilho para o poeta
que falava com o negrilho da sua terra natal, como se falasse com outro poeta.
A um negrilho, Miguel Torga.
«Na terra onde nasci há um só poeta,
Os seus versos são filhos dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos.
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada,
Que poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena,
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho,
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!»
Eu plantarei nesse bosque um cedro do Líbano, para o meu
querido Khalil Gibran. Não sei bem quando será, porque ainda tenho que arranjar
a árvore... mas cedro do Líbano e Gibran surgem na minha mente profundamente
associados. :)
Na verdade, nem tem que ser uma árvore, pode ser um arbusto.
E não tem que escolher só um poeta, podemos escolher os poetas que quisermos.
Mesmo poetas que já foram escolhidos, e colocar lá outra árvore, que, noutro tempo, se entenda estar mais identificada com esse poeta. Na verdade, não há muitas regras. :)
Lembram-se do poema As Amoras, de Eugénio de Andrade?
«O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.»
Assim, deixarei um belo canteiro de silvas para Eugénio de
Andrade, para poder colher lá amoras no verão e lembrar-me desse poeta
maravilhoso. :)
E para o poeta de «une saison en enfer» que outra senão uma
árvore maldita? Mas como pode ser maldita uma árvore? Não é sempre mágica uma
clareira? «Ah! encore: je danse le sabbat dans une rouge clairière, avec des
vieilles et des enfants». ;)
Eucalipto, para Arthur Rimbaud.
«Mas, hoje, já ninguém consente,
Em nome da Arte, – isto é verídico, –
Que um hexâmetro, qual serpente,
Cinja o esplendor de um Eucalipto;»
Tradução de Pedro Ludgero.
Para Rumi (poeta persa do séc. XIII), uma árvore originária
da Persia, uma romãzeira. Para Rumi uma romã, um fruto de mil sementes. :)
«Na árvore de mil ramos todos
os universos se mesclam,
mas tu, na calma da árvore,
percebes a Imensidão.»
E isto é só o princípio. :)