sábado, julho 28, 2018

Bosque dos Poetas

Escrevi este texto em outubro de 2014. Nunca passou disso mesmo, meia dúzia de linhas numa folha qualquer, sem importância. Tinha criado um grupo chamado Tuela, que também não teve pernas para andar. Cancelei o grupo e afastei-me. Agora é outro tempo e eu creio que estou novamente preparada para falhar, por isso aqui vou eu outra vez. ;)

«Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.»
São os Bosques dos Poetas.

O poema é de Eugénio de Andrade. O bosque dos poetas é meu. Não acham que era uma boa ideia construir lá um espaço que seria o nosso bosque dos poetas? Vá lá, participem. :)

O Artur, que é ainda um menino pequenino, vai plantar um negrilho (que eu lhe vou arranjar) junto a uma fraga. Um negrilho para o Miguel Torga, plantado por uma criança. Creio que ele ia gostar... :) O negrilho (Ulmus minor) é uma variedade de ulmeiro (Ulmus campestris), típica de Trás-os-Montes. Assim, o Artur que dizia Olá a uma árvore no parque do infantário (e que foi marginalizado por causa disso), plantará um negrilho para o poeta que falava com o negrilho da sua terra natal, como se falasse com outro poeta.

A um negrilho, Miguel Torga.

«Na terra onde nasci há um só poeta,
Os seus versos são filhos dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos.
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada,

Que poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena,
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho,
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!»

Eu plantarei nesse bosque um cedro do Líbano, para o meu querido Khalil Gibran. Não sei bem quando será, porque ainda tenho que arranjar a árvore... mas cedro do Líbano e Gibran surgem na minha mente profundamente associados. :)

Na verdade, nem tem que ser uma árvore, pode ser um arbusto. E não tem que escolher só um poeta, podemos escolher os poetas que quisermos. Mesmo poetas que já foram escolhidos, e colocar lá outra árvore, que, noutro tempo, se entenda estar mais identificada com esse poeta. Na verdade, não há muitas regras. :)

Lembram-se do poema As Amoras, de Eugénio de Andrade?

«O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.»

Assim, deixarei um belo canteiro de silvas para Eugénio de Andrade, para poder colher lá amoras no verão e lembrar-me desse poeta maravilhoso. :)

E para o poeta de «une saison en enfer» que outra senão uma árvore maldita? Mas como pode ser maldita uma árvore? Não é sempre mágica uma clareira? «Ah! encore: je danse le sabbat dans une rouge clairière, avec des vieilles et des enfants».  ;)

Eucalipto, para Arthur Rimbaud.
«Mas, hoje, já ninguém consente,
Em nome da Arte, – isto é verídico, –
Que um hexâmetro, qual serpente,
Cinja o esplendor de um Eucalipto;»
Tradução de Pedro Ludgero.

Para Rumi (poeta persa do séc. XIII), uma árvore originária da Persia, uma romãzeira. Para Rumi uma romã, um fruto de mil sementes. :)

«Na árvore de mil ramos todos
os universos se mesclam,
mas tu, na calma da árvore,
percebes a Imensidão.»

E isto é só o princípio. :)

sexta-feira, julho 27, 2018

Na estrada do leite

Agora que já não conseguimos aguentar mais séries (pelo menos, até voltar GoT), voltamos em força aos filmes. Assim, no fim de semana passado vimos On the Milky Road, de Emir Kusturica, 2016.

Bem, tem o próprio Kusturica, como personagem principal, e é um filme estranho e surreal, logo, interessante. Mas, se o sr. Kusturica me permite, tenho uma ou duas coisinhas a apontar. :P

Comecemos com a cena da galinha a cacarejar em frente a um velho espelho, em cima de uma mesa de cozinha, cheia de cerejas. Adorei a imagem, mas parece-me que a força dessa imagem se perde um bocadinho na repetição. É uma imagem indelével, para quê mostrá-la mais do que uma vez?

Passemos, então à cobra: a magnífica, gigantesca víbora. Agradou-me o leite derramado nas covinhas, na estrada do leite, uma velha reminiscência das nossas lendas de serpentes… Depois, a cobra monstruosa que sobe por nós, prendendo-nos com o seu corpo, enquanto a sua cabeça assustadora se dirige para a nossa cara, bem, é simplesmente perfeito. Um eco, nada distante, das nossas lendas das mouras encantadas. Contudo, rebolar com a cobra no chão destrói um pouco esse imaginário…  é forçado e, mais tarde, percebe-se porquê, mas continua a ser forçado. De resto, a simbologia majestosa e pagã da cobra, que nos salva, acaba por voltar, talvez devidamente cristianizada, como símbolo dos nossos pecados, que nos destroem. :(

E que perseguição era aquela? Que tal não nos mostrar os ridículos soldados tantas vezes? Poderiam estar presentes, sem estar verdadeiramente, não? Dando um cariz mágico à já um pouco misteriosa perseguição. ;)

Por fim, a cena da eternamente bela Monica Bellucci a costurar uma orelha decepada, junto a um velho poço, enquanto canta baixinho uma música de embalar... Que posso eu dizer? É simplesmente maravilhosa. Uma cena que certamente voltará cada vez que olharmos algumas pinturas, sentindo no nosso coração o conforto de imaginar um solitário Vincent a ser costurado e acarinhado por tão carinhosa e bela senhora. Não estou a brincar, é sem dúvida algo pelo qual temos que agradecer.

Bem, ainda nesse fim de semana, revisitamos Black Cat, White Cat, de 1998. Uma comédia simples, despretensiosa e genial. Esse sim,um filme fantástico do kusturica. :D


November

Deixo aqui uma pequena referência a um delicioso filme pagão:

November, dir. Rainer Sarnet, 2017.

Hmm, aquele momento em que ele invoca uma força elementar, que lhe diz o quanto lamenta não poder conceder-lhe o que lhe pede. Lamenta, por se sentir grato pela invocação, que lhe deu o som da sua voz. É simplesmente divertido e, ao mesmo tempo, profundamente belo ver aquela força primordial apaixonada pela sua própria voz. Não quer partir, quer ficar, conversar com ele e ouvir-se.

E que voz era aquela? Uma voz que atravessa as nossas células e fica a ecoar no espaço vazio, dentro dos nossos átomos. Hmm, pressinto que da próxima vez que os meus dedos tocarem o corpo desse elemento, a minha imaginação trará aquela voz de volta.

Como é que se pode agradecer algo assim?... :)

November, um filme extraordinário!


quarta-feira, julho 25, 2018

Feel the thunder

Ontem à noite, um amigo virtual apareceu num dos meus sonhos fetiche, em que eu estou deitada de costas na terra quente, em Capri, de noite. A minha viagem pelas estrelas foi interrompida e quando eu lhe perguntei o que queria, disse apenas que queria que eu soubesse o quanto me desprezava. E eu acordei de imediato.

Bem, não consegui deixar de sorrir, mesmo acordando abruptamente de um sonho que eu muito acarinho. A nossa mente é verdadeiramente maravilhosa, não é? Tão querida, a deixar-nos ficar com a ilusão de que nos importaríamos. ;)

Thunder, feel the thunder
Lightning and the thunder, thunder
Thunder, feel the thunder.

É a música que eu estou a ouvir. Sim, bem sei, é terrivelmente popular, mas também é fantástica! E quem poderia resistir a uma banda com um nome tão apelativo como Imagine Dragons? Hmm, o vídeo até tem uma mulher com língua bífida… que é um daqueles sonhos impossíveis, da infância de todas as menininhas, certo? :)

Acredita ou não, quando pensei em escrever qualquer coisinha, aqui, tinha em mente escrever sobre a admiração que o Fellini dizia ter, pelas pessoas que falhavam e persistiam. Sei lá, pareceu-me um bom tema, positivo e tal… Mas distraí-me e o meu tempo esgotou-se.

O que está de acordo com outra das grandes lições dele: princípio e fim.

Não existe fim, não existe princípio, existe apenas a paixão da vida.

Eu gostaria de acrescentar que essa paixão pela vida é inesgotável, renovada a cada amanhecer.

That’s all! :)

25 de Julho de 2018.

segunda-feira, julho 09, 2018

Esperar o inesperado

Ontem à tarde, numa das minhas adoradas florestas de velhos carvalhos, percebi que tinha que repensar, não tanto a minha vida, mas sobretudo a mim própria.

Creio que chegou o tempo de simplesmente entrar no rio e seguir a corrente, onde quer que ela me leve. Sei lá. Cansei-me da ilusão de que detenho algum controlo. E, sobretudo, cansei-me de querer. Agora, simplesmente deixo-me ir com o rio. Ainda assim, tenho que admitir que me custa a entrega. Custa-me não saber o que esperar.

Na verdade, não precisava de me preocupar com isso… bastava perguntar, que o universo respondia. ;)

Hoje, veio mais um miminho no correio, para o meu filho. Não tinham pins (que foi o que eu pedi), mas enviaram canetas, sacos de panos (ele já tem imensos!), postais, autocolantes e ainda o que mostro na foto.

Bem, não consegui deixar de pensar que, mesmo sendo a t-shirt para ele, a resposta era para mim. E, desta vez, só para variar, serei obediente e esperarei o inesperado, sem mais questionamentos. :)

De resto, creio que a vida só nos mostra a sua verdadeira magia e o seu encantamento, se formos capazes de continuar sempre a esperar o inesperado. :)

9 de Julho de 2018.


Felicidade como hábito

Começo por dizer que ontem o meu filho recebeu da Áustria um estojo com uma tesoura, com imensos acessórios de corte, muito giro. Mas não é por isso (pelos objectos diferentes e interessantes, que nunca me passaria pela cabeça comprar) que eu oriento as coisas de modo a que, de vez em quando, ele receba correio. Faço-o porque é importante que ele interiorize que, por esse mundo fora, há imensa gente generosa e simpática, capaz de gastar tempo e dinheiro com desconhecidos, só porque sim.

De resto, é quase obrigatório socorrer-nos de desconhecidos, para continuarmos a acreditar que podemos sair dos rótulos, que tão leviana e facilmente a sociedade nos atribui, e simplesmente sermos quem quisermos ser, sonharmos o que nos apetecer sonhar.

O meu filho quer ser realizador, quando crescer. Hmm, na verdade, se ele soubesse que eu acabei de escrever isto corrigia-me de mediato: «cineasta, não realizador». Não sei bem porquê, mas ele acha que os cineastas podem mudar o mundo. É um sonho tão válido como outro qualquer, que tanto eu como o pai valorizamos.

Hmm… no dia da mãe, o meu filho escreveu que eu era mágica. Bem, posso confessar que isso me deprimiu um bocadinho? É claro que eu sei bem que ele estava a dizer a verdade, é a visão dele. Naturalmente não foi isso que me deprimiu. O que me deprimiu foi o facto de saber que já são poucas as vezes em que eu ainda sou capaz de ter uma visão mágica do mundo… e que se isso ainda acontece é por ele, para que ele preserve a sua visão mágica.

Neste contexto, poderia substituir a palavra mágica por inocente, traduziria de igual modo uma visão sem rótulos, capaz de ver as coisas tal como elas são e não apenas como foram catalogadas e ensinadas.   

Questão: como é que se mantém uma visão mágica ou inocente do mundo? Talvez esperes uma resposta complexa, mas é muito simples: é preciso aprender a gozar a vida, a fazer da felicidade um hábito.

Entre outras coisas, fazer da felicidade um hábito dá-nos, a pouco e pouco, a capacidade de ver para lá da aparência das coisas, desenvolve a nossa sabedoria e a nossa espiritualidade.

Se a felicidade não for uma das características mais marcantes do desenvolvimento do nosso eu transcendente, talvez seja porque não o estamos a desenvolver de verdade…  ;)

31 de Maio de 2018.


Muitas questões sem resposta, nenhuma resposta inquestionável.

Cada vez tenho mais questões e menos respostas. Será do tempo?...

Que tempo é este? Para onde foi o verão, afinal?...

Sinto-me num daqueles dias em que me apetece pegar em dois revólveres, esquecer o velho faroeste e começar a minha tarde já com uma fuga para a Bolívia. Butch Cassidy e Sundance Kid, lembram-se? :)

Ou entrar no universo do meu adorado Fafhrd e ficar por lá durante os próximos 3 dias. ;)

Hmm… westerns ou aventuras de capa e espada, só estou a escolher percursos irremediavelmente condenados ao fracasso. Deveria questionar isso também?

Bem, o melhor é acalmar. Bem vistas as coisas, não há problema nenhum em não ter respostas para umas quantas questões. Desde que não tenha respostas inquestionáveis, creio que ainda está tudo bem. ;)

2 de Julho de 2018.


Quando nos esquecemos de nós próprios

Miguel de Unamuno dizia que quando estamos felizes, esquecemo-nos de nós próprios, de que existimos. Contudo, no mundo em que vivemos, as pessoas estão cada vez mais centradas nelas próprias. O que talvez só queira dizer que há cada vez mais pessoas infelizes. E não seja preciso inferir nenhuma moralidade.

De vez em quando, pergunto ao meu filho de cinco anos o que o faz feliz. A resposta vai mudando, há alturas em que é verdadeiramente surpreendente. :) Ultimamente também tenho perguntado isso a mim própria e, acreditem ou não, às vezes também me surpreendo com a resposta. ;)

A felicidade é uma coisa simples. Por vezes, só não somos mais felizes, ou não fazemos os outros mais felizes, porque nem pensamos nisso...

Sim, bem sei, é uma filosofia de trazer por casa. Mas, é a minha filosofia de trazer por casa e eu gosto dela. :)

Também gosto muito deste tempo que antecede Fevereiro e do seu início. Gosto dos passeios ao fim da tarde, na minha cidade, nestes dias já um pouco mais longos. Gosto de sentir a aproximação da primavera. E hoje de manhã reparei em duas bétulas, acabadinhas de nascer, nos meus vasos. :)

28 de Janeiro de 2015.

Crianças

Frequentemente deparo com artigos ou discussões onde se fala das crianças apenas em termos de crianças bem ou mal comportadas. Contudo, na minha opinião, parece-me que a essa visão das crianças, escapa o essencial.

Christiane Singer disse que a grande infelicidade do nosso mundo vinha de nos encarregarmos da educação das crianças, em vez de as deixarmos tratar da nossa. Eu concordo com ela. Não quer isto dizer que as crianças não devam ser ensinadas, devem! Mas, ao mesmo tempo, cabe-nos também a tarefa de aprender com elas. As crianças transportam para as nossas vidas, a bem ou a mal, níveis de autenticidade e de profundidade a que muitos de nós simplesmente não estamos habituados. É inevitável, faz parte da própria natureza das crianças.

Contudo, no mundo em que vivemos, somos cada vez mais superficiais, temos cada vez mais máscaras e a nossa verdade diluí-se. E só a criança tem a coragem de nos levar aos nossos limites, de nos arrancar as máscaras, as representações que se sobrepõem ao nosso verdadeiro eu. A relação de um pai ou de uma mãe com um filho ou uma filha é uma das relações mais profundas e verdadeiras que podem existir. Na minha opinião, a pessoa que é a/o mãe/pai e a pessoa que é o/a filho/a são, em si mesmas, menos verdadeiras do que a relação que se estabelece entre elas. Digo isto no sentido em que as pessoas inevitavelmente acabam por desaparecer, mas o amor permanecerá, para sempre.
Paralelamente ao nascimento da criança, ocorre o acto de nascer como mãe ou como pai, que é, em si mesmo, um processo sagrado. O sagrado que, quando chega à nossa vida, não deixa pedra sobre pedra. De modo que não me parece certo que se reduza tudo isto a nada e se fale de um modo generalizado em crianças obedientes ou desobedientes, crianças mal ou bem comportadas. A generalização muitas vezes conduz-nos à ilusão do conhecimento. E aquilo que pensamos ver, torna-se de todo invisível. Mas, de certa maneira, já todos nós nos habituamos a ser invisíveis, total ou parcialmente. Ora, as crianças ainda não estão habituadas a isso e querem ser vistas! Da mesma forma que nunca, jamais, abdicam de ver realmente a mãe e o pai. Dou graças por isso! E dou graças por um mundo onde as crianças podem, cada vez mais, ser crianças.

10 de Junho de 2015.

Apenas um post fofinho

Em vez de me concentrar no jogo de futebol, dei comigo a pensar em unicórnios. Como pode ser isso?...

«O unicórnio é um pequeno animal, semelhante ao cabrito, mas ferocíssimo. O caçador não pode aproximar-se dele por causa da sua força extraordinária. Tem um só corno no meio da cabeça.» Do Fisiólogo (sécs. II-III)

O imaginário do unicórnio, promovido pela Disney, é bem mais interessante. Contudo, ao aumentarem-lhe o tamanho, retiraram-nos a idílica imagem do pequeno unicórnio a saltar para o colo da donzela. «Expõem uma virgem imaculada, o animal salta para o seu colo e ela aleija-o», isto é, fere-o mortalmente.

E pronto, era isso.

Agora vou procurar uma imagem de um unicórnio, porque eu gosto de posts fofinhos...

8 de Novembro de 2015.


Um coração agradecido

Um destes dias, li um poema escrito por uma pessoa idosa que vivia num lar, esquecida pelos filhos e pelos netos, ignorada pelos funcionários da instituição onde estava.

Um poema de uma pessoa invisível, pouco tempo antes de morrer. Um poema de alguém que ainda mantinha vivos todos os momentos de alegria e de felicidade: as brincadeiras de criança, os enamoramentos, o grande amor, a felicidade de ver crescer os filhos e a alegria de milhares de pequenas coisas.

Maravilhoso, não é? Alguém que chega ao fim da vida com um coração verdadeiramente agradecido.
Também eu me sinto grata por o Universo me ter relembrado a necessidade de me manter focada no que verdadeiramente importa. É tão fácil cairmos na superficialidade do mundo moderno e esquecermos a gratidão.

Contudo, um coração agradecido é um elemento essencial da felicidade.

Alguém com um coração agradecido pode ser invisível, mas certamente vê o mundo à sua volta. E ver o que está à nossa volta é importante, para mim é bem mais importante do que sermos vistos. :)

13 de Maio de 2016.



Meros acasos

Hum, apetece-me escrever a alguém, um amigo talvez, mas não tenho nadinha de nada para dizer (sim, bem sei, isso nunca me deteve anteriormente), assim, só me resta escrever aqui. Por favor, reconsidera antes de leres este post, eu escrevo muito e raramente digo o que quer que seja de interessante. É assim como poderia não ser.

Bem, escrever o quê? Sim, claro! Poderia referir o último filme que vi, o livro que ando a ler ou a música que estou a ouvir, mas isso demora apenas 30 segundos, não? E eu preciso de um pouco mais…

Filme: Arrival de Denis Villeneuve, baseado no conto Story of Your Life, de Ted Chiang. E devo dizer que gostei muito.

Livro: vou na 3ª página de Lavínia, de Ursula K. Le Guin.

Música: neste momento, um pouco por acaso, estou a ouvir Angel, do álbum Mezzanine, de Massive Attack.

Pois, escasseiam os adjectivos. Ok, então. Hoje sinto-me triste. Apenas porque não vamos passar o Carnaval a Trás-os-Montes e tenho saudades da minha floresta. Gosto da floresta nesta época do ano (e nas outras todas, mas não falemos disso agora), o mundo renasce e isso leva-me a sentir que também eu entro no tempo de todas as possibilidades.

Na semana passada, na madrugada de quarta-feira, estava eu a sonhar com uma floresta maravilhosa, quando o telefone me acordou. Atendi e ouvi uma voz simpática que me disse: «Bambi, acorda! Está na hora de acordares.» Claro que era engano. Não conheço ninguém que considerasse sequer a hipótese de me chamar Bambi. Hum, fico quase com pena de aquele telefonema ter sido um mero acaso, se o sonho e a chamada telefónica estabelecessem uma coincidência, poderia sempre divertir-me a pensar nisso… mas não, trata-se simplesmente de um acaso!

Os meros acasos também me deixam triste.

Hum, talvez fosse possível modificar ligeiramente essa memória. ;)

Lembro-me de uma vez, quando o meu filho tinha quatro anos, regressava da escola e quando eu lhe perguntei como tinha sido o dia dele, depois de pensar um bocadinho, ele respondeu:
- Hoje a Fabiana desapareceu.
- Desapareceu como? Não foi à escola o dia todo? Ou foi de manhã e de tarde já não voltou? Ou, então, estava lá na tua sala e, de repente, do meio do nada, apareceram três aliens verdes e viscosos que agarraram a Fabiana e desapareceram todos no meio do ar?...
O rosto do meu filho mostrou um misto de surpresa e deslumbramento, olhou para mim e disse cheio de entusiasmo:
- Foram os aliens!

Pois! O meu problema é que ninguém me fornece uma lista de possibilidades e a minha imaginação está muito longe de fazer o trabalho que lhe compete. Assim, vejo-me forçada a manter-me nos meros acasos. :(

Nada mais tenho a dizer, por agora. Termino com uma fotografia do meu lugar agreste, remoto e praticamente desabitado. :)

23 de Fevereiro de 2017.

Agora

Ultimamente, o meu filho meia volta pergunta-me como era no meu tempo. Corrijo-o. Se ele quer saber como era quando eu era criança, que o diga, porque este tempo é tanto meu como de qualquer outra pessoa viva.

De resto, só sabemos verdadeiramente quem nós somos, quando nos descrevemos sem referir nome ou idade, ou género, ou graus de parentesco, ou nacionalidade, ou profissão, ou hobbies.

Creio que podemos dizer acerca do processo de nos conhecermos a nós próprios, algo similar ao que disse Milton Resnick acerca da arte: is not a learning process. It is the very reverse of learning. It is the unhinging of your soul from your sight.

14 de Março de 2017.


Batata, ovo e café

Hoje dei comigo a pensar num post da semana passada, que apareceu no meu facebooke, por vontade de um americano qualquer, que eu não faço ideia de quem seja. E decidi que está mais do que na hora de eu ser pó, mais especificamente pó de café. Não, não estou confundida. É isso mesmo que eu quero dizer. ;)

Chegados aqui, impõem-se uma perguntinha… Imagina que as pessoas se dividiam em três categorias: batata, ovo e café. Qual querias ser? :D

Bem, eu tenho consciência que tenho sido sobretudo ovo, mas isso acabou. Agora quero ser café! Queres que te diga as minhas razões ou isto está a ser tão aborrecido que não vale mesmo a pena… Hmm, posso sempre falar do tempo. Ou de gatinhos fofinhos. Ou de qualquer coisa doce.

Ok. Bombons, então. Este calor estival impede-me de apreciar devidamente o meu bombom favorito, que é bem melhor no tempo frio. Mon cheri, da Ferrero. Sei lá, gosto da suavidade do chocolate e, sobretudo, da explosão do licor na minha boca. Hmm… acredita, eu poderia continuar a falar disto durante mais alguns parágrafos, mas não o vou fazer. Vou deixar-me de superficialidades e voltar aos testes do face, que proliferam por todo o lado como cogumelos. Só é pena que não sejam igualmente perigosos, não? :P

Batata, ovo e café, lembras-te?

Bem, aceitemos a premissa de que as pessoas só se conhecem verdadeiramente na adversidade. Na nossa analogia, a adversidade será simulada, mergulhando aqueles ingredientes em água a ferver, cada um em seu recipiente e deixando-os lá cerca de meia hora.

A Batata dura e resistente, simplesmente não aguenta a adversidade e fica feita em papa, sem ser capaz de mudar o que está à sua volta. O ovo, por sua vez, aguenta melhor as condições difíceis, mas o seu interior endurece e também não consegue mudar o que está à sua volta. Por fim, o café envolve-se nas condições adversas e ele próprio pouco muda, mas transforma completamente tudo o que está à sua volta.

Pronto, era isso. Lamento se este post foi confuso. Acabei. :)

21 de Julho de 2017.

Bem, não tenho nenhuma foto com batata, ovo e café. Mas fiz um bolo de chocolate. Serve? ;)


22 de Agosto

22 de Agosto de 1920. O dia em que nasceu Ray Bradbury. :)

Quero voltar a escrever, compulsiva e anonimamente.

Na verdade, quero mesmo escrever sobre tudo o que muda a minha perspectiva do mundo, que depende menos das minhas vivências diárias, do que das pessoas ou personagens que tive a sorte de encontrar.

Por vezes, sinto que somos quase levados a crer que o modo como vemos o mundo é algo quase automático e estático. Não é verdade. Todas as nossas percepções resultam de aprendizagens e são sempre dinâmicas.

Para mim, o momento mágico que muda a minha maneira de ver o mundo, e por consequência muda o meu mundo, surge sobretudo quando aparece alguém louco que faz perguntas complicadas, que gosta de andar à chuva e que me pede para olhar para a lua. :)

Valerá a pena dizer que essa loucura raramente é dada por alguém real? ;)

22 de Agosto de 2017.


Uma pequena bênção, antes de dormir

Hoje, um amigo partilhou um post sobre a ideia de nos abençoarmos, que é algo que eu acarinho verdadeiramente, mas que pratico menos do que devia.

Assim, hoje, antes de ir dormir, quero deixar aqui uma bênção… para quem quer que seja que a leia. :)

Hmm... não sei que fórmulas usar, ou mesmo se quero usar fórmulas.

Pode ser com uma canção, por favor?

Dream a little dream of me, The Mamas and The Papas. :)

Mas mudemos um pouco a letra, por favor. Que tal pensarmos aquele «dream a little dream of me» não como a pessoa A ou B, mas sim nós próprios, cada um de nós?... Nós como um todo, com o nosso eu do presente e também com todos os nossos eus passados e futuros. Como se algo nos lembrasse que, de vez em quando, precisamos sonhar um pequeno sonho de nós próprios. Nós que só somos um pequeno lugar momentaneamente, durante cada uma das nossas viagens. Para lá disso, somos um universo. Um universo que sonha pequenos sonhos, como diria Chopra.

E, assim, toda esta canção é, de verdade, uma bênção. :)

19 de Agosto de 2017.


The Starry Night, by Vincent van Gogh.

Pedra Coração

Eu acredito, como sempre acreditei, sem que saiba exactamente de onde veio esta crença, que cada vez que encontro uma pedra com o formato de um coração, sem ter tido intervenção humana, isso quer dizer que o universo está a comunicar comigo, a indicar-me o caminho de casa, da minha verdadeira casa.

Muito depois desta crença já estar enraizada em mim, encontrei um artigo de 1905, que falava de um velho templo pagão que existia na aldeia onde eu nasci e que, numa fotografia tirada na orientação sul-norte, mostrava toda aquela rocha como uma imensa pedra coração.

O templo já não existia quando eu nasci, foi destruído pelo meu pai na segunda metade do século XX, que o transformou em pedreira.

Ficaram apenas as histórias que a minha avó me contava, quando eu era miúda, e uma única fotografia, numa revista de arqueologia.

A pedra deu origem a uma casa, quase no mesmo lugar. E isso é tudo o que há agora. Apenas uma casa.

Que energia terá um lugar assim? Na verdade, tem uma energia muito boa. A energia de uma pedra coração. E, para alguns de nós, é um lugar que nos faz sonhar, se quisermos sonhar. Sonhos estranhos, é certo, mas não necessariamente maus.

É um lugar silencioso, onde em certas noites ainda se ouvem raposas.

24 de Agosto de 2017.


O odor do trevo fresco

Ainda não consegui encontrar o odor fresco do trevo erguendo-se dos campos ao lusco-fusco. Mas, neste fim de tarde, a minha cozinha explode com diversos aromas: o bolo de especiarias e o frango a assar no forno, o brownie a arrefecer na mesa... quase parece que é uma data especial, mas não é, mesmo que cá em casa se celebre muita coisa. Hoje, sou eu a brincar com odores quentes e intensos. Só isso. :)

26 de Agosto de 2017.

Uma mãe

Ainda que quisesse, não saberia dizer o quanto eu gosto desta imagem de uma mãe com três dos seus filhos. Quantas vezes esta imagem já passou na minha cabeça, ao longo da minha vida. Quantas vezes me deu coragem. Quantas vezes me fez sentir um amor intenso pela humanidade.

Ela chamava-se Florence Thompson e era viúva, mãe de sete filhos. Tinha 32 anos quando Dorothea Lange lhe tirou estas fotografias, durante a Grande Depressão, nos Estados Unidos.

4 de Setembro de 2017.

Perspectivas

Ouvi uma música sugerida noutra timeline e quando acabou, dei comigo a pensar em My One And Only Love, da Rickie Lee Jones. Nem sei bem porquê.

Quando ouvi o álbum Pop Pop pela primeira vez, num tempo tão longínquo que, se calhar, foi noutra vida, apaixonei-me de imediato. A voz dela encontrou-me e, quando o álbum acabou, eu sentia uma alegria rara e intensa.

Voltei a colocar o cd do início e fui fazer queques, muitos e de diferentes sabores.

Depois, já ao cair da noite, levei-os todos a um rapaz de quem gostava. Ele aceitou os queques, mas não me mandou entrar.

Falou comigo. Já não me lembro do que me disse, mas sei que o que quer que fosse que ele dizia, estava a deixar-me triste.

Eu não queria ficar triste, queria ir embora, mas mantive-me quieta e em silêncio. E, de repente, o universo veio em meu socorro: começou a chover copiosamente.

Ele continuou a falar, mas eu deixei de o ouvir. A chuva caia sobre mim tão intensamente que, a certa altura, também deixei de pensar. E passei apenas a sentir a chuva.

Pouco depois, voltei a casa, sempre à chuva. Senti que a última vez que eu verdadeiramente tinha andado à chuva, havia sido muito tempo antes, talvez em criança.

O tempo passou e eu já não me lembro da cara dele, mal recordo o seu nome. Mas nunca mais me esqueci do que era, de verdade, andar à chuva, quando chovia.

Ou ao sol, em dias claros.

Hmm... queres saber porque é que te contei isto? Se calhar porque cada vez mais acredito que tudo o que existe são perspectivas, apenas e só diferentes perspectivas...

5 de Setembro de 2017.

O meu jantar com André

Acabei de ler um post sobre a felicidade.

Bem, eu acredito na felicidade, quase como demanda. Mas também penso que não há problema nenhum em acordarmos tristes, de vez em quando. O problema, como dizia Fernando Pessoa, é quando nos habituamos a acordar, dia após dia, e não estamos nem felizes nem tristes.  :(

O conforto do mundo moderno tem custos: adormece-nos, entorpece a nossa vontade.

Já viste O Meu Jantar com André? É um filme de 1981, de Louis Malle. Trata-se de uma longa conversa entre dois amigos, que se interrogam sobre o mundo moderno. Dessa conversa foi dito que era o mais humorado e apaixonante exercício de dialética desde Platão. Talvez não seja tudo isso, mas é uma conversa fantástica, da qual é um privilégio participar, mesmo que seja apenas ouvindo. :)

Então, que dizes a rever este filme no próximo fim de semana? ;)

5 de Setembro de 2017.


Celebrações

Porque hoje é o equinócio de outono, sinto-me tentada a contar que, na noite que se aproxima, eu e a minha família faremos um dos últimos passeios nocturnos do ano, comeremos as tradicionais romãs e brindaremos a tudo o que nos apetecer. Mas, mais do que isso, celebraremos com intensidade, paixão e alegria, ao som de Omnia e Faun. :)

22 de Setembro de 2017.

Famílias felizes

Todas as famílias felizes se parecem entre si, são iguais. Por outro lado, todas as famílias infelizes são diferentes, cada uma transportando a marca da sua própria infelicidade. A ideia não é minha, é do Tolstói. Eu discordo completamente! Contudo, é essa mesma ideia que a publicidade sempre nos deu e ainda nos dá, o que levou a que se criasse uma ideia/imagem global do que é suposto ser uma família feliz.

Eu não sou fundamentalmente contra a manipulação, até a acho útil em determinadas circunstâncias. Mas uma vozinha dentro de mim insiste em me dizer que se eu não souber quem sou e quem são aqueles que eu amo, se eu não souber o que de verdade faz feliz a minha família, então também não saberei como trazer a felicidade, por muito que corra atrás da imagem da família feliz que já faz parte do imaginário de todos nós.

A minha família gosta do outono. Eu gosto do outono. O outono é uma época especial, cá em casa. Por isso é que, no ano passado, começamos a celebrar também o Thanksgiving. Que posso eu dizer? Adoramos festas, a comida tradicional dessa festa é deliciosa e também gostamos da ideia de ter um jantar para dar graças, por tudo o que existe de bom na nossa vida.

Que mais? Chegou o momento de criar a tradição do outono no parque de Montesinho, quero que haja pelo menos alguns fins de semana do outono que passamos lá. Quero que fique na memória que a casa de Trás-os-Montes também cheirava a outono. Assim, também lá irei fazer pão de bolota, biscoitos de canela, chocolate quente, marmelada e geleia, castanhas assadas, tartes de maçã e de abóbora, vinho quente com especiarias… E adorarei cada instante passado na cozinha.

Bem, quase parece que passaremos o tempo todo em casa, não? Na verdade, passearemos por velhas florestas e assistiremos ao chamamento dos veados, regressando a casa apenas ao anoitecer. :)

28 de Setembro de 2017



Um velho amigo

Depois de ver um post sobre filmes relacionados com Nietzsche, apetece-me escrever um bocadinho sobre ele. Sei lá, sinto-me cada vez mais insignificante, nos dias que correm. Tenho saudades do tempo em que estudava engenharia e frequentava ilegalmente aulas de filosofia, noutra faculdade. :(

Admito que Nietzsche é completamente fascinante, mas daí a concordar com ele… De resto, ele é muitas vezes ambíguo e nem sempre faz sentido. Quem se pretendia que fosse, na verdade, o Super-Homem, ou como ele lhe chamava a «Besta Loira»? Por mais apelativa que seja essa vontade de poder, essa força e essa consciência de si mesmo, a ética de Nietzsche é elitista. É claro que podemos sempre pensar: e isso é mau? Eu acho que sim, que é mau.

Nietzsche queria que morressem todos os deuses e que vivesse apenas o Super-Homem. Para ele os deuses tinham tido origem na inteligência de uma humanidade primitiva e sem maturidade, não tendo lugar num mundo moderno. Eu não concordo com ele. Aliás, ele considerava qualquer forma de religião como um estado patológico. Era totalmente crítico da religião cristã, que dizia ter aviltado a noção de Homem.

Gosto das 3 metamorfoses do espírito, apresentadas no livro Assim Falava Zaratustra. O espírito começa como camelo (docilidade, veneração), passa para leão (recusa, destruição) e termina criança (afirmação e sentido de si próprio, construção).

Não gosto do Eterno Retorno, sobretudo como é mostrado por ele: um universo fechado, ausente de sentido e de onde não se pode escapar. Vejo mais esse eterno retorno como um dragão que temos que vencer, continuamente. Um dragão que nos arrasta para o seu universo de futilidade, onde estar vivo é como estar morto, onde não há verdadeiros impulsos criadores, onde a rotina está completamente instalada.

20 de Outubro de 2017.

Tardes de outono com tarte de abóbora

Tarte de abóbora. Fiz uma tarde de abóbora para a sobremesa do jantar, mas já começamos a nos deliciar com ela no chá das cinco. ;) Então, como é possível resistir a uma fatia de tarte de abóbora acabadinha de fazer, daquelas que nunca viram recheio enlatado? Talvez esteja um pouco perdida no mapa a minha tarte de abóbora, mas não poderia ser mais verdadeira.

Melhor mesmo só o aroma maravilhoso e outonal que enche toda a casa, que transforma os sentidos, que nos faz esquecer o passado e ignorar o futuro, que nos deixa inteiros no presente. :)

Ah! E se o Chicago's Smell and Taste Treatment Research Center diz que o cheiro de uma tarte de abóbora é sexualmente excitante, quem sou eu para contrariar? ;)

Bem, quando a uma fatia de tarte de abóbora acrescentamos um pouco de chantilly (igualmente acabado de fazer)… Hmm, que posso eu dizer a não ser que é verdadeiramente doce? Doce como o pecado. ;)

Hoje, o jantar será assim: para começar teremos tâmaras enroladas em bacon, que o forno deixou crocantes e salgadas por fora, moles e doces no interior. Depois, passaremos para galinha recheada assada com batatinhas, acompanhada com uma salada leve e saborosa de alface, queijo fresco e uvas. E pão acabado de fazer, quente e estaladiço. Terminaremos com meia ;) tarte de abóbora acompanhada com chantilly.

Sim, bem sei, é um pouco excessivo. Mas é outono. No outono é tudo tão extraordinário, tão intenso e tão maravilhoso, não é? Bem, talvez o melhor seja deixar uma foto da tarte e não dizer mais nada. :)

22 de Outubro de 2017.


Chuva

Depois de deixar o meu filho na escola, fiz o caminho de regresso a casa à chuva.

Estava a pensar no último episódio da série Philip K. Dick's Electric Dreams e, sem me permitir um segundo pensamento, decidi mudar (ou talvez reverter a mudança dos últimos anos e voltar a ser quem sempre fui), deixar de me importar (de verdade) com o que as outras pessoas pensam.

Fiz o meu caminho com o guarda-chuva fechado, sentindo a chuva fria no meu cabelo, na minha cara, na minha roupa.

Foi algo quase insignificante e, contudo, mal me lembro da última vez que me senti assim tão livre e tão viva!

Ao chegar a casa, dei por mim a ter saudades da voz absolutamente fantástica do Sandman, que de imediato ressoou na minha cabeça: «I can tell you taste like the sky cause you look like rain».
Assim, caro face, deixo-te (novamente) uma música incrivelmente sexy e, ao mesmo tempo, profunda e inspiradora, simplesmente maravilhosa!

3 de Novembro de 2017.

Morphine - You Look Like Rain

Pão com azeite e açúcar

Uma das memórias da minha infância relaciona-se com as correrias aos velhos fornos comunitários, quando o cheiro do pão acabado de cozer interrompia as brincadeiras. Para as crianças havia sempre alguns pãezinhos, que as mulheres partiam em pedaços, colocavam numa malga com um fio de azeite e polvilhavam com açúcar. E para as crianças daquela pequena aldeia transmontana não havia doce nenhum que se comparasse àquele pão a fumegar, com azeite e açúcar.

Talvez seja apenas por essa razão que o assado de domingo é quase sempre ao jantar, cá em casa. Isso permite-me também fazer pão. E nunca faltam os pãezinhos pequeninos que ficam prontos bem depressa. Só não consigo que o meu filho aprecie essa velha receita de pão com azeite e açúcar. Muito menos a bôla calcada, que se fazia com um restinho de massa de pão e um pouco mais de farinha, água, sal e azeite. A minha avó e a minha mãe chamavam-me sempre para decorar as pequenas bôlas calcadas. Havia também essa velha tradição, pelo menos na minha família, de chamar as crianças para fazerem desenhos nas bôlas calcadas.

Decidi trazer essa tradição de volta, cabendo agora a tarefa da decoração da bôla calcada ao meu filho, que possivelmente nem a vai provar. Mas gostou da parte de decorar, de tal maneira que quando finalmente acabou, já tudo estava abstracto. :)

5 de Novembro de 2017.


Cozinhar

Eu gosto do modo como cozinhar me liberta de todas as preocupações, como me deixa verdadeiramente descontraída e feliz. :)

Contudo, não sinto que isso aconteça sempre que cozinho, muitas vezes é só uma rotina apressada, que se faz por que tem que se fazer.

Quando eu cozinho para as minhas festas, cozinho para quem eu amo, quer sejam aqueles que vão comer a minha comida, quer seja a minha Vitória da Samotrácia, ou a minha Belle Heaulmiere (estou a partilhar demasiado, não estou? Ok, generalizemos um pouco, então. ;) ), ou o jovem de uma das minhas pinturas favoritas, da qual tenho um poster no meu quarto em Trás-os-Montes, ou muitas das minhas queridas personagens, que encontrei em livros que ficaram comigo para sempre, ou ainda a minha tribo, que desapareceu muito antes de eu chegar, mas que percorria a mesma paisagem que eu também percorro e onde ainda encontro o seu eco distante.

Bem, quem me conhece de verdade, sabe que a minha festa favorita é, sem dúvida, a Festa da Promessa da Primavera, quando a primavera ainda não é, mas nós acreditamos que será. Sim, é essa a minha favorita, porque sim. :)

Termino, então, com um excerto de um dos meus contos, perdido na selva da internet e que talvez apenas eu seja ainda capaz de encontrar:

«Um dia, quando eu era uma criança pequena, brincava na sacada com um jarro verde e vasos de malvas ainda por florir. O Laribau parou na rua e olhou para mim. Ele já era um homem naquela altura, um homem doido. Perguntou-me que ervas eram aquelas, que eu tinha nos vasos? Respondi que não eram ervas, mas sim flores. Chamavam-se malvas. Ele riu-se de mim e disse que as minhas ervas, se calhar, eram couves. Não sabia eu que as flores tinham pétalas e cores e perfumes e faziam o mundo parecer outro? Porque lhe chamava flores? Porque sim, insisti eu. Ele ficou sério, de repente. Disse-me que porque sim estava bem. Talvez as minhas ervas se tornassem flores, porque sim. »

16 de Novembro de 2017.

Filosofia para crianças

Hoje, gostaria de te falar de um livro verdadeiramente extraordinário: Big Ideas for Little Kids - Teaching Philosophy through Children’s Literature, de Thomas E. Wartenberg, publicado por Rowman & Littlefield Education, 2009, UK.

É um livro que ajuda os adultos a ensinar as crianças a pensarem por elas próprias, a questionarem-se e a questionarem o mundo à sua volta. Recomendo-o vivamente!

O  primeiro módulo é sobre metafísica. Através de outro livro maravilhoso: The Important Book, da escritora Margaret Wise Brown, publicado em 1949, são introduzidas as questões básicas: o que é que realmente existe? Quem sou eu?

Em primeiro lugar, apresenta uma palavra: a palavra “importante”. E, naturalmente, leva-nos a questionar o que é importante. ;)

Começamos com artefactos. O que é importante numa colher?
Seguimos para matéria orgânica: o que é importante numa maçã?
E, por fim, entramos no tópico da identidade pessoal.

O livro The Important Book diz que o que é importante acerca de ti próprio é que tu és tu. E esse é o ponto de partida para várias perguntas verdadeiramente filosóficas, que na essência se reduzem a duas:

- O que é que poderias mudar em ti e ainda continuares a ser tu próprio?
- O que é que não poderias mudar em ti, para continuares a ser tu próprio?

Então? Que responderias?... :)

8 de Maio de 2018.

Não há problema nenhum em acordar feliz

Olá. Hmm… posso dizer-te como me sinto bem esta manhã? Diria mesmo feliz, mas talvez seja melhor não o fazer, não vás tu perguntar-me «porquê?»…

Sim, bem sei, é do conhecimento geral que para estarmos felizes, precisamos de razões válidas, fortes, persistentes… não podemos ficar felizes só porque sim. Ora, porque não!

É bem mais natural que fiquemos desorientados se alguém nos perguntar se somos felizes e respondamos, como o Montag, com um perplexo:

- Sou o quê?...

Contudo, é precisamente nestes dias, em que acordamos felizes só porque sim, que o café ganha, outra vez, aquele gostinho especial, bem familiar e, ao mesmo tempo, inteiramente novo. Mas, por favor, não nos preocupemos em demasia, possivelmente antes de o dia acabar já terei voltado ao normal.

Bem, Fernando Pessoa diria que não há problema nenhum em acordar feliz. Ou triste. O problema reside em simplesmente acordarmos, dia após dia, e não estarmos nem felizes nem tristes. Talvez ele tivesse razão...

Pronto, fico por aqui. Posso só desejar-te bom dia? Um dia inteiramente novo, sem turbulentas memórias do passado, nem ansiedade em relação ao futuro. Só um bom dia. Um dia cheio de esperança.

Na verdade, não importa onde estamos nem o que temos, ou não temos, porque estejamos onde estivermos, como dizia Saramago, quando temos esperança ainda temos tudo!

E quando sentimos que ainda temos tudo, que à nossa frente se estende um campo de possibilidades infinitas, é um bom dia!

11 de Junho de 2018.