quarta-feira, agosto 22, 2018

Para Ray Bradbury

22 de Agosto de 2018.

Uma voz absolutamente fantástica acabou de me dizer:
«Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again…»

David Draiman. The Sound Of Silence, sim, mas na versão de Disturbed, da qual eu gosto mais do que da original.

Hmm, ainda não te disse olá, pois não? Olá, Ray.

«And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening.»

Tens ideia que todos os anos, mais ou menos na altura do teu aniversário, sinto a necessidade de procurar o odor fresco do trevo, erguendo-se nos campos ao lusco-fusco?

Não conheço esse aroma e certamente não será agora, no calor do verão, a melhor altura para o encontrar. Hmm, creio que estou a ser fiel a mim própria, seguindo o meu velho paradoxo pessoal: procuro, para não encontrar.

Eu gosto do cheiro do verão, sabes? Do imediato da maresia até ao subtil cheiro a terra molhada, que se sente sobretudo nestes dias de estio, depois de uma breve tempestade. Gosto do cheiro que fica nas mãos, quando passamos um fim de tarde a apanhar alecrim ou rosmaninho e muitas outras ervas, com nomes não tão poéticos, que o sol indiferente deixou igualmente secas e ressequidas, mas ainda intensamente aromáticas. Gosto do cheiro que se liberta quando abrimos um melão bem maduro. 

Gosto de todos estes aromas quentes e intensos, desde o cheiro forte dos figos a secar ao sol, até ao suave odor das amoras acabadas de apanhar. Aromas que deixam uma marca indelével, mas que não são frescos como o teu odor do trevo.

Fresco e primaveril é o cheiro dos rebentos novos de funcho, nas bordas dos meus caminhos, ou das folhas tenras do manjericão, nos vasos das minhas varandas.

Mas, meu querido, o aroma que eu mais associo contigo é, sem dúvida, o do chocolate. Será possível passar o teu dia sem comer um pedacinho de chocolate? Não me parece.

Bem, quantas vezes já pensei qual seria o teu chocolate favorito, olhando prateleiras com demasiadas marcas, sem encontrar qualquer resposta? Hmm, creio que não encontrar respostas, mais do que fazer parte de mim, é a minha natureza. Haverá alguma contradição em simplesmente continuar a procurar?

Meu querido, eu gosto deste breve momento, quase no fim do verão, em que simplesmente é o teu dia e eu posso parar e celebrar, reler um dos teus contos e lembrar-me de ti, sentindo sempre o meu coração agradecido pelas tuas palavras, por todas as tuas palavras.

Contudo, não é fácil encontrar-te agora, nesta altura do ano, sabes? Um pouco mais tarde, é quase impossível esquecer-te, mas quando o mundo encontra as cores de outubro há tanto a recordar e fica tudo tão absolutamente maravilhoso, tão intenso e tão apaixonante, que tu, meu querido amigo, diluis-te num mar imenso de coisas especiais.

Ah! Quem melhor do que tu, para entender a felicidade do outono?

Assim, nesta terrivelmente quente noite de verão, faço uma pequena pausa no meu mundo moderno e citadino, ao qual nunca pertenci, onde o meu amado tempo cíclico quase não tem lugar e onde eu mal consigo acompanhar a absurda seta do tempo, para fazer um brinde, porque é o teu aniversário. E brindo também ao tempo da magia e do maravilhoso, que está quase a chegar. Brindo com ratafia, que eu faço apenas quando a lua é azul.

Boa noite, meu amigo.

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