quinta-feira, agosto 30, 2018

Só e mal acompanhada

Caminho sozinha
Penso sozinha
Sinto sozinha
Ninguém me compreende.

Quero outros
Procuro outros
Espero outros
Que me compreendam.

Os outros entendem e eu não
Os outros aceitam e eu não
Os outros acreditam e eu não.

Só eu é que não me compreendo.


30 de agosto de 2018.

Evening by Gabriel Joseph Marie Augustin Ferrier, 1911.


quarta-feira, agosto 29, 2018

10 - 10 dias, 10 filmes

10/10

Bem, tenho que admitir que só com muito esforço é que impeço o meu louco sentido de humor de terminar este desafio com o filme: I Am Not a Witch, do realizador Rungano Nyoni, 2017. Não o faço porque não era justo, eu incluía-o sobretudo por não resistir à piada pessoal, inerente ao título, e o filme é um drama intenso, que nos leva a muitas e importantes questões.

De resto, eu quero terminar com uma comédia e, por mais voltas que a minha mente dê, sei bem que acabarei por escolher simplesmente a melhor comédia de sempre. Mas isso não impedirá as voltinhas. ;)

Pensei em qualquer coisa recente, mas raras são as comédias recentes que passam de sofríveis. A menos que se trate de comédias românticas, essas, por norma, estão muito abaixo de sofríveis. Uma vez, umas amigas convidaram-me para uma maratona de comédias românticas. Só de me lembrar disso, ainda sinto arrepios… e eu nem sequer fui!

Hmm, filmes recentes, não era? Isso lembra-me o dia, há vários anos, em que encontrei aquele que agora é o meu marido, num chat qualquer. Perguntou-me se eu gostava de cinema. Eu respondi que sim e, de imediato, comecei com Murnau e continuei com Fritz Lang, o que o levou a perguntar que idade é que eu tinha, afinal.

Bem, se escolhesse uma comédia recente, ou seja, deste século, seria possivelmente de Wes Anderson: The Grand Budapest Hotel, 2014, ou The Royal Tenenbaums, 2001. Também gostei muito de algumas de Alain Chabat, por exemplo: La Personne aux Deux Personnes, 2008. Mas, como já referi, escolho simplesmente a melhor comédia de sempre e pronto. :)

Monty Python and the Holy Grail, dir. Terry Gilliam,Terry Jones, 1975.

Os Monty Python são absolutamente intemporais. E este filme é uma obra-prima, cujas cenas podem ser profundamente conhecidas e, ainda assim, mais do que continuarem a ser divertidas, continuam a ter o encanto da primeira vez.

Creio que temos que começar também a celebrar o Dia de Monty Python, cá em casa. O problema é que esse dia celebra-se a 10 de maio e nós já temos o início de maio sobrelotado de festas, mas como o que tem que ser tem muita força… ;)

29 de agosto de 2018.


09 - 10 dias, 10 filmes

09/10

2001: A Space Odyssey, dir. Stanley Kubrick, 1968.

O argumento foi criado por Kubrick em parceria com Arthur C. Clarke, que desenvolveu algumas das ideias do argumento e escreveu um livro com o mesmo nome, publicado quando o filme saiu. Assim, quem quiser uma interpretação, leia o livro do Clarke, tendo em atenção que este filme não é uma adaptação de um livro.

Kubrick quis contar-nos esta história sobretudo através de imagens e fê-lo magistralmente. Eu gosto mais da versão gráfica do Kubrick, do que do livro do Clarke.

Neste filme, Kubrick deu-me um novo mundo, um novo caminho que me desafia, que me afasta completamente do universo familiar onde eu me comprometo e desisto, reacendendo uma pequena centelha que me ajuda a abraçar os desafios da minha vida, a aceitar o que não é familiar ou habitual.

Bem, certas pessoas precisam de muito mais energia para serem pessoas normais, do que precisariam para ser extraordinárias. É um bom pensamento, não é? Se calhar, por ser do Camus. ;)

Este é um dos filmes da minha vida, mas não o referi por esse motivo. Tal como tinha dito antes, seria o acaso que me guiaria. Quis o acaso que, ontem à noite, eu voltasse a ouvir uma música que adoro, cuja letra refere precisamente as frases motivacionais do meu parágrafo anterior e que, na minha mente louca, trazem imediatamente Kubrick à minha memória.

Assim, quase a acabar este desafio dos 10 dias/10 filmes, deixo esta pequena referência a um filme absolutamente extraordinário, que comemora este ano o 50º aniversário do seu lançamento.

28 de agosto de 2018.


08 - 10 dias, 10 filmes

08/10

Hoje, chegou pelo correio uma encomenda maravilhosa que trazia, entre outras coisas, incluindo filmes, um daqueles cartões que vemos na entrada dos cinemas, com super-heróis ou assim. O meu filho era, com sempre, o destinatário. Bem, se fosse Batman, Iron Man, Captain America, já para não falar de imensas personagens do Star Wars, tinha sido uma loucura. Mas não, não era nenhum deles. Era um homem, nem novo nem velho, com um ar rebelde, um olhar penetrante e um meio sorriso, com as mãos fechadas, apoiadas na cintura, numa atitude desafiadora. Eu sorri e só não posso dizer que gostei dele, de imediato, porque não era nenhum desconhecido: eu conhecia muito bem aquela fotografia, que era de alguém de quem eu gosto há muito tempo.

– Quem é? – quis saber o meu filho.

– É um super-herói. – Continuei, perante a estranheza do meu filho, – sabes que nem todos os super-heróis são como o Batman, não? Alguns não têm super poderes, mas fazem-nos pensar e isso é muito importante. – Não o fiz, mas tive vontade de acrescentar que também precisávamos que nos ensinassem a estar a sós e aceitar o silêncio, a angústia e a escuridão.

Mas, admito, não deixei de ficar contente com o facto do cartão do Ingmar Bergman não ser em tamanho natural, isso iria certamente afastar as visitas… ;)

Bem, já se passou muito tempo desde a última vez que vi um filme dele. Mas fico muito feliz que alguém, na Suécia, tivesse decidido incluir o meu filho e, por acréscimo, a mim e ao pai dele, nas celebrações do centenário do nascimento do Bergman. Assim, antes do ano acabar, iremos rever uns quantos dos seus filmes. Naturalmente, o miúdo não. Sei bem que ele é ainda muito novo para a filmografia de Bergman.

Contudo, coloquei um desafio ao meu filho, que só tem nove anos e nunca ouviu falar de Bergman: disse-lhe para olhar para a imagem daquele realizador e, depois, na parte de trás do envelope, imaginar e desenhar uma das personagens dos filmes dele. O meu filho foi buscar os marcadores e eu não consegui deixar de sorrir, imaginando a intensidade da cor que aí viria. Fiquei muito surpreendida com o resultado, cuja imagem também incluo. ;)

Concluindo, escolhi O Sétimo Selo, um filme tão negro e profundo como a noite, cuja principal temática se mantém perfeitamente actual: como resistem as nossas crenças, sobretudo a nossa fé, à constatação de que o mundo está cheio de miséria e de maldade?

The Seventh Seal, dir. Ingmar Bergman, 1957.

27 de agosto de 2018.




07 - 10 dias, 10 filmes

07/10

Ikiru, dir. Akira Kurosawa,1952.

O filme, que escolhi hoje, conta-nos a história do sr. Watanabe, um burocrata exemplar, que nunca faltou ao trabalho em 30 anos. Contudo, há algo a que ele faltou sistematicamente: viver a vida. De repente, descobre que tem uma doença terminal e, nos escassos meses de vida que lhe restam, procura em desespero encontrar um verdadeiro propósito, um sentido para a sua vida.

Hmm, o sentido da vida. Todos nós procuramos um sentido para a nossa vida, certo? Bem, eu penso que a ideia, em si mesma, é uma falácia, que nos leva a acreditar que precisamos encontrar algo, possivelmente externo a nós próprios, que dê sentido à nossa vida. Como se a vida, por ela própria, não tivesse sentido, tendo que lhe ser atribuído. Quando, na verdade, tudo o que precisamos para encontrar o sentido da vida é permitir-nos sentir de verdade, intensa e conscientemente, a experiência de estarmos vivos.

O filme mostra-nos ainda um aspecto importante: por vezes, somos uma espécie de mortos-vivos, durante anos a fio, e nem sequer nos apercebemos disso. Se nos esquecemos de focar a nossa atenção em viver a nossa vida, ela simplesmente passa por nós.

Bem, o que quer que seja que nós façamos, por maior que seja o suposto grau de sucesso que atingimos, se não estamos concentrados na experiência de estarmos vivos, sentindo os momentos únicos de cada um dos nossos dias, então, como dizia Samuel Beckett, estar vivo é como estar morto.

Por mais nobres que pareçam as nossas razões, a verdade é que cada vez que nos afastamos das pessoas ou das coisas que nos fazem sentir verdadeiramente vivos, perdemos um pouco do sentido da vida.

26 de agosto de 2018.


06 - 10 dias, 10 filmes

06/10

Sei bem que disse que não iria falar dos filmes da minha vida, mas afinal vou, pelo menos hoje. 😉

Assim, ao sexto filme, entramos no meu género favorito: ficção científica.

Bem, a lista dos filmes de ficção científica que eu vi é imensa, bem menor aquela dos que gostei mesmo muito. Este é, sem dúvida, um dos meus favoritos.

The Fountain, dir. Darren Aronofsky, 2006.

É um filme fantástico! Que mais há a dizer? :)

Só um pequeníssimo comentário: eu adorei vê-lo só, junto da árvore, tão perto da verdadeira canção da saudade, a canção que nos leva da terra ao céu, que fiquei arrepiada e deliciada, tudo ao mesmo tempo. :) E como o filme era suficientemente vago, eu pude interpretá-lo à minha maneira, também gostei disso. ;)

25 de agosto de 2018.


05 - 10 dias, 10 filmes

A meio do desafio dos 10 filmes, escolho um documentário, sobre um tema pertinente no mundo moderno e global: a solidão.

The Age of Loneliness, Dir. Sue Bourne, 2016.

Bem, eu não penso que a solidão, em si mesma, seja necessariamente uma coisa má. Eu sou uma pessoa solitária, é a minha natureza. É através da solidão que eu me relaciono com as coisas que eu amo: livros, músicas, filmes, esculturas, pinturas, fotografias… e pedras, árvores, paisagens. Também é através de momentos a sós comigo própria, que eu encontro alguma profundidade nos meus pensamentos.
Contudo, este tipo de solidão não é forçada, é uma escolha: alguns momentos a sós por dia, que tem a contrapartida da imensa companhia, profundamente significativa, daqueles que eu amo e com quem vivo.

Naturalmente, não é este tipo de solidão que o filme retrata. O filme mostra-nos uma realidade bem diferente, na qual os filhos crescem e saem de casa, os casamentos acabam, os familiares morrem, os amigos distanciam-se. Assim, num tempo em que a esperança de vida aumentou significativamente e num mundo onde já não temos a proximidade da comunidade, muitas vezes, vemo-nos perante uma solidão forçada, absoluta, que é preciso aprender não a suportar, mas a combater.

Esta solidão, que nos magoa e nos entristece, não surge só quando somos mais velhos, é transversal a todas as idades. A solidão é a consequência natural de um mundo cada vez mais superficial. Paradoxalmente, precisamente por causa dessa mesma superficialidade, a solidão não é aceitável, estigmatiza-nos socialmente. Não ter amigos é, no mundo em que vivemos, algo que nos condena e isola imediatamente.

Por outro lado, a globalização e o mundo virtual não diminuem a solidão, bem pelo contrário, aumentam-na significativamente, na proporção da ilusão que as redes sociais nos transmitem, mostrando-nos centenas ou milhares de amigos. Se temos centenas de amigos virtuais, se lidamos com mais umas quantas centenas no mundo real, onde encontraríamos o tempo necessário para conhecer, um pouquinho que fosse, cada uma dessas pessoas? E por que razão haveríamos de tentar estabelecer relações cada vez mais profundas e significativas? Certamente não por uma questão de moralidade, apenas pelo simples facto de que as relações superficiais não nos afastam da solidão.

24 de agosto de 2018.


04 - 10 dias, 10 filmes

04/10

Ontem, coloquei o post do filme Fahrenheit 451, do Truffaut, e a imagem fez-me pensar nos livros a secar ao sol, do Parajanov. O que, por sua vez, me deixou com vontade de escrever… mas não aqui, não agora.

The Color of Pomegranates, Sergei Parajanov, 1968.

Sergei Parajanov mostra-nos os poemas do grande poeta Sayat Nova, transformando muitas das palavras do mestre em imagens maravilhosas.

Sensível, poético e muito belo, este filme é considerado, por muitos cineastas e cinéfilos, uma verdadeira obra-prima.

23 de agosto de 2018.


03 - 10 dias, 10 filmes

03/10

Hoje, como é o dia do aniversário de Ray Bradbury, escolho um filme baseado numa das grandes obras dele: Fahrenheit 451.

Fahrenheit 451, dir. François Truffaut, 1966.

22 de agosto de 2018.




02 - 10 dias, 10 filmes

02/10

Tal como já referi, não escolhi os filmes da minha vida, apenas filmes que, por acaso, estou a ver ou a rever nesta altura.

Bem, neste caso, este filme surgiu pela relação com a imagem do filme anterior, que a minha mente estabeleceu.

Assim, comecei com a imagem do olho de um cavalo, o que me leva para o próximo filme, através da imagem de um cavalo morto em cima de um piano. Para mim, neste filme, para além da cabeça do cavalo, as duas cenas mais fortes são as seguintes: um homem a cortar com uma navalha o olho de uma mulher e uma mão com um buraco no meio, donde saem imensas formigas (cujas imagens também vou incluir).

É precisamente através destas duas imagens, que dois grandes realizadores fazem deliberadamente uma referência a este filme. A primeira surge no filme Spellbound de 1945, de Hitchcock, em que o olho é substituído por uma cortina com esse motivo, que é cortada no mesmo plano; e a segunda em Blue Velvet, de David Lynch, em que a mão é substituída por uma orelha, também cheia de formigas.

A narrativa é de tal modo estranha que, mais do que interpretar o filme, somos de certa forma obrigados a estabelecer a nossa própria relação entre as imagens, a criar uma história.

É o primeiro filme surreal, cujo argumento e cenários foram criados pelo realizador, Buñuel, em parceria com Salvador Dalí – quem mais poderia ser?

Un Chien Andalou, dir. Luis Buñuel, 1929.

21 de agosto de 2018.




01 - 10 dias, 10 filmes

No início do mês, um amigo deixou-me aqui o desafio de, durante 10 dias, postar uma imagem referente a um filme. Bem, as férias acabaram, assim, porque não? :)

Não irei indicar outras pessoas para continuar o desafio, quem quiser participar, que participe e pronto. Hmm, também não obedecerei completamente à regra de colocar apenas uma imagem, sem palavras, mas andará perto disso. ;)

Enfim, certamente não serão os filmes da minha vida, apenas filmes que, por acaso, estou a ver ou a rever nesta altura. E vou colocar o nome do filme, mesmo não sendo suposto.

Comecemos, então.

01/10

A Torinói Ló, The Turin Horse, dir. Béla Tarr e Ágnes Hranitzky, 2011.

O filme começa com uma voz off que, sem qualquer imagem, nos conta esta breve história:

Em Turim, no dia 3 de janeiro de 1889, Friedrich Nietzsche deixa a sua residência no nº6 da Via Carlo Alberto, talvez para dar um passeio ou apenas para ir buscar a sua correspondência.

Não longe dele, ou realmente mesmo muito longe, um cocheiro tem problemas com o seu cavalo teimoso.

Irritado, o cocheiro perde a paciência e começa a chicotear ferozmente o cavalo, que se mantém imóvel.

Nietzsche avança até à multidão e põe fim àquele brutal espectáculo.

O forte e bigodudo Nietzsche salta para a carroça e abraça o pescoço do cavalo, soluçando.

Mais tarde, um amigo leva-o de volta para casa, onde ele fica deitado em silêncio, por dois dias.

Por fim, diz:
- Mãe, sou um idiota.

E a voz off termina, referindo que do cavalo nada sabemos.

Começam, então, as imagens.

20 de agosto de 2018.


terça-feira, agosto 28, 2018

What Are You Waiting For, by Disturbed.

Estou cansada de ser uma boa pessoa, meramente uma boa pessoa. Eu quero ser tudo. Mas não quero voltar a comprometer-me, não quero voltar a desistir. Quero saudar cada desafio que surgir na minha vida. Quero abrir os meus olhos e nunca mais vaguear às cegas.

Ah! E quero saborear cada minuto da minha vida!

Então, de que é que eu estou à espera?...

Disturbed - What Are You Waiting For [Official Lyric Video]

Sem dúvida, uma canção poderosa. Teve um profundo impacto em mim, desde a primeira vez que a ouvi. É uma música inspiradora, determinada, simplesmente fantástica!

sábado, agosto 25, 2018

Recordando

Do que eu lembro,
o mundo sempre me disse
que eu não aguentava
a tempestade.

Caí
levantei-me,
voltei a cair
e a levantar.

Desesperei,
prometi a mim própria
que não me deixaria cair de novo
e de novo caí
e de novo me levantei.

Mas foram em vão
todas as vezes em que tentei
pois esqueci
no meio do sofrimento
da luta e do esforço
que eu sou
a tempestade.

25 de agosto de 2018.

The Storm, by Pierre Auguste Cot, 1880.


quarta-feira, agosto 22, 2018

Para Ray Bradbury

22 de Agosto de 2018.

Uma voz absolutamente fantástica acabou de me dizer:
«Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again…»

David Draiman. The Sound Of Silence, sim, mas na versão de Disturbed, da qual eu gosto mais do que da original.

Hmm, ainda não te disse olá, pois não? Olá, Ray.

«And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening.»

Tens ideia que todos os anos, mais ou menos na altura do teu aniversário, sinto a necessidade de procurar o odor fresco do trevo, erguendo-se nos campos ao lusco-fusco?

Não conheço esse aroma e certamente não será agora, no calor do verão, a melhor altura para o encontrar. Hmm, creio que estou a ser fiel a mim própria, seguindo o meu velho paradoxo pessoal: procuro, para não encontrar.

Eu gosto do cheiro do verão, sabes? Do imediato da maresia até ao subtil cheiro a terra molhada, que se sente sobretudo nestes dias de estio, depois de uma breve tempestade. Gosto do cheiro que fica nas mãos, quando passamos um fim de tarde a apanhar alecrim ou rosmaninho e muitas outras ervas, com nomes não tão poéticos, que o sol indiferente deixou igualmente secas e ressequidas, mas ainda intensamente aromáticas. Gosto do cheiro que se liberta quando abrimos um melão bem maduro. 

Gosto de todos estes aromas quentes e intensos, desde o cheiro forte dos figos a secar ao sol, até ao suave odor das amoras acabadas de apanhar. Aromas que deixam uma marca indelével, mas que não são frescos como o teu odor do trevo.

Fresco e primaveril é o cheiro dos rebentos novos de funcho, nas bordas dos meus caminhos, ou das folhas tenras do manjericão, nos vasos das minhas varandas.

Mas, meu querido, o aroma que eu mais associo contigo é, sem dúvida, o do chocolate. Será possível passar o teu dia sem comer um pedacinho de chocolate? Não me parece.

Bem, quantas vezes já pensei qual seria o teu chocolate favorito, olhando prateleiras com demasiadas marcas, sem encontrar qualquer resposta? Hmm, creio que não encontrar respostas, mais do que fazer parte de mim, é a minha natureza. Haverá alguma contradição em simplesmente continuar a procurar?

Meu querido, eu gosto deste breve momento, quase no fim do verão, em que simplesmente é o teu dia e eu posso parar e celebrar, reler um dos teus contos e lembrar-me de ti, sentindo sempre o meu coração agradecido pelas tuas palavras, por todas as tuas palavras.

Contudo, não é fácil encontrar-te agora, nesta altura do ano, sabes? Um pouco mais tarde, é quase impossível esquecer-te, mas quando o mundo encontra as cores de outubro há tanto a recordar e fica tudo tão absolutamente maravilhoso, tão intenso e tão apaixonante, que tu, meu querido amigo, diluis-te num mar imenso de coisas especiais.

Ah! Quem melhor do que tu, para entender a felicidade do outono?

Assim, nesta terrivelmente quente noite de verão, faço uma pequena pausa no meu mundo moderno e citadino, ao qual nunca pertenci, onde o meu amado tempo cíclico quase não tem lugar e onde eu mal consigo acompanhar a absurda seta do tempo, para fazer um brinde, porque é o teu aniversário. E brindo também ao tempo da magia e do maravilhoso, que está quase a chegar. Brindo com ratafia, que eu faço apenas quando a lua é azul.

Boa noite, meu amigo.