"Voam as andorinhas, é Verão. Voam libélulas, tão transparentes como a palavra libélula, voam rente ao ribeiro sem se molharem, são férias. Voa o vento, voa a música, voa o anjo, voa o grito do alto desta montanha até à outra montanha e constrói uma ponte por cima do vale, voa a luz de agosto das folhas das árvores (e faz manchas claras no chão), e eu ... eu também voo em sonhos."
Vá lá, não se riam de mim... sei bem que é um livro para crianças mas, chama-se álbum de família...
:)
Ainda não sei o que pensar do sonho da noite passada... mas estou feliz por termos estado de novo juntos, os três. Sinto-me agradecida. :)
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
Pablo Neruda, Nasci para Nascer
"... os meus textos foram as solidões montanhosas, o aroma acre dos restolhos, a vida pululante dos cárabos dourados sob os troncos derribados na selva, a espessura onde pende a cápsula de jade dos frutos do copihue, o corte do machado nos raulís, as goteiras que caíram sobre a minha pobre infância, o amor cheio da lua, lágrimas e jasmins da adolescência estrelada."
terça-feira, fevereiro 14, 2006
Outras tardes...
Pequenos bandos de pardais a voarem por cima da tua cabeça, imagens reflectidas no chão. Sombras que brincam na nudez da terra transparente, quase luminosa. Carreiros pelo meio dos canteiros de um verde luxuriante. Amores-perfeitos. E tantas outras flores com cores quentes, que deslumbram e não precisam de nomes. A fonte por trás de ti, o barulho da água a cair, devagarinho, muito devagarinho. Terá sido isso que fez o tempo quase parar? O instante em que o tempo se transforma. Depois fechas os olhos e o teu mundo fica vermelho, laranja. Intenso e quente. Algo te faz cócegas na palma da mão, abres os olhos e vês a borboleta. Instantaneamente, tens vontade de chorar e sorris. A borboleta parte. Fechas novamente os olhos. Na tua mente uma frase de Shelley: "Dormitei e, numa revelação, vi o que não é possível ver com os olhos abertos". Brincas e, de repente, estás bem no meio de um jardim de trapézios azuis, um jardim que não é teu.
À tua volta vozes, muitas vozes. Voltas-te ainda mais para dentro de ti própria. Outras vozes. Agora, falam-te na linguagem mítica e tudo o que te dizem são fantasias intemporais, sonho e magia. Gibran a falar-te da alma, Chopra a insistir contigo para que continues a interrogar-te: "quem sou eu? quem sou eu?", Redfield a ensinar-te a reconhecer o caminho. E, de repente, a voz bem terrena da Yourcenar a mandar-te ter cuidado com os livros, com as vozes que encontras nos livros, insistindo contigo que a realidade não está nos livros, porque não a contém inteira. Mas, aqui, de olhos fechados, sentindo apenas o sol, tens a realidade por inteiro... mas ainda sentes a falta das vozes que te falam dos caminhos para novos mundos, não sentes? As tuas luzes de esperança e de verdade. Mais do que exercícios de memória ou contos do passado, essas vozes profetizam o que está à tua frente, mas é ainda o sol que te mostra a mais clara de todas as claridades. O sol...
18.09.2000
À tua volta vozes, muitas vozes. Voltas-te ainda mais para dentro de ti própria. Outras vozes. Agora, falam-te na linguagem mítica e tudo o que te dizem são fantasias intemporais, sonho e magia. Gibran a falar-te da alma, Chopra a insistir contigo para que continues a interrogar-te: "quem sou eu? quem sou eu?", Redfield a ensinar-te a reconhecer o caminho. E, de repente, a voz bem terrena da Yourcenar a mandar-te ter cuidado com os livros, com as vozes que encontras nos livros, insistindo contigo que a realidade não está nos livros, porque não a contém inteira. Mas, aqui, de olhos fechados, sentindo apenas o sol, tens a realidade por inteiro... mas ainda sentes a falta das vozes que te falam dos caminhos para novos mundos, não sentes? As tuas luzes de esperança e de verdade. Mais do que exercícios de memória ou contos do passado, essas vozes profetizam o que está à tua frente, mas é ainda o sol que te mostra a mais clara de todas as claridades. O sol...
18.09.2000
A criança (outro conto velhinho)
A mulher sem rosto aproximou-se da criança que olhava as estrelas com ar sonhador. A criança notou a presença da mulher sem rosto por trás de si, mas não se virou. A criança continuava a olhar as estrelas e a falar consigo própria acerca da beleza e da magia de tantas luzes.
Embrulhada nas suas roupas escuras, a mulher sem rosto apresentava uma máscara de velha. Naquele momento, permanecia quieta e calada, por trás da criança. E parecia ser capaz de ficar assim para sempre.
Estendendo um braço para a imensidão de céu à sua frente, a criança apontou uma estrela.
— Olha! Aquela é a minha estrela. Não há outra mais bela.... e é minha. Vês como brilha?
Após uns instantes de silêncio, a mulher sem rosto falou com uma voz cansada:
— Está muito longe, muito longe mesmo... Sabes, a luz demora imenso tempo a percorrer o espaço entre a estrela e a tua janela. Tanto tempo que quando tu olhas e vês a brilhante luz daquela estrela, podes estar apenas a olhar para os restos luminosos de uma estrela morta.
A criança não entendeu a mulher sem rosto. Estrelas mortas? A criança abanou vigorosamente a cabeça, fechou e abriu os olhos.
— Vês como brilha? — murmurou para si própria.
A criança pediu outra companheira. Desta vez escolheu uma jovem fada, contadora de histórias, de máscara sempre sorridente. A criança gostava do sorriso da jovem fada. Mas, por precaução, não lhe falou das estrelas.
— Minha fada querida, fala-me do mundo místico dos sonhos...
E a jovem fada, sempre de máscara sorridente, começou a cantarolar histórias em versos e rimas. Nesse instante, a criança soube que não queria aquela companheira. Mas também sabia que não valia a pena escolher outra.
Quando chegou a hora de dormir, a criança recusou a história para adormecer. Apenas quis ficar sozinha. E, de olhos fechados, a criança disse a si própria que quando fosse capaz de deixar que outros encontrassem a sua alma, estaria no mundo místico e iluminado dos sonhos.
Na manhã seguinte, a criança não pediu uma companheira. A criança dirigiu-se ao seu computador e escreveu apenas que queria falar com Deus. Para espanto da criança, a resposta demorou alguns minutos a surgir. E dizia o seguinte:
"Esta noite vai até à tua janela e escolhe uma estrela".
Embrulhada nas suas roupas escuras, a mulher sem rosto apresentava uma máscara de velha. Naquele momento, permanecia quieta e calada, por trás da criança. E parecia ser capaz de ficar assim para sempre.
Estendendo um braço para a imensidão de céu à sua frente, a criança apontou uma estrela.
— Olha! Aquela é a minha estrela. Não há outra mais bela.... e é minha. Vês como brilha?
Após uns instantes de silêncio, a mulher sem rosto falou com uma voz cansada:
— Está muito longe, muito longe mesmo... Sabes, a luz demora imenso tempo a percorrer o espaço entre a estrela e a tua janela. Tanto tempo que quando tu olhas e vês a brilhante luz daquela estrela, podes estar apenas a olhar para os restos luminosos de uma estrela morta.
A criança não entendeu a mulher sem rosto. Estrelas mortas? A criança abanou vigorosamente a cabeça, fechou e abriu os olhos.
— Vês como brilha? — murmurou para si própria.
A criança pediu outra companheira. Desta vez escolheu uma jovem fada, contadora de histórias, de máscara sempre sorridente. A criança gostava do sorriso da jovem fada. Mas, por precaução, não lhe falou das estrelas.
— Minha fada querida, fala-me do mundo místico dos sonhos...
E a jovem fada, sempre de máscara sorridente, começou a cantarolar histórias em versos e rimas. Nesse instante, a criança soube que não queria aquela companheira. Mas também sabia que não valia a pena escolher outra.
Quando chegou a hora de dormir, a criança recusou a história para adormecer. Apenas quis ficar sozinha. E, de olhos fechados, a criança disse a si própria que quando fosse capaz de deixar que outros encontrassem a sua alma, estaria no mundo místico e iluminado dos sonhos.
Na manhã seguinte, a criança não pediu uma companheira. A criança dirigiu-se ao seu computador e escreveu apenas que queria falar com Deus. Para espanto da criança, a resposta demorou alguns minutos a surgir. E dizia o seguinte:
"Esta noite vai até à tua janela e escolhe uma estrela".
A Nave (um conto velhinho)
Foi numa das minhas longas viagens que eu a conheci. Avancei muito para além da paisagem familiar dos meus passeios, numa manhã em que o sol e o azul do céu convidavam à aventura.
Estava plenamente consciente da realidade do meu voo para outras paragens, mas nem por isso me sentia apreensiva. Deixei que os novos caminhos se estabelecessem sem reservas da minha parte e, quando dei por mim, estava na aldeia.
Levada pelo aparecimento súbito do sentido de sobrevivência, bem depressa pensei que era loucura não voltar para trás. Mas, por muitas ordens que eu desse, nenhum átomo me obedecia e eu vagueava por horizontes novos.
Tinha a minha imaginação em festa e, apesar dos perigos que os arbustos e certos recantos escondiam, estava feliz.
Não lembro quantas voltas dei, olhando com pouca atenção a eira e os campos em redor. Saboreava a satisfação plena, a beleza de saber-me leve e poder deslizar sem esforço, fazendo curvas segundo uma linha imaginária e imutável.
Era só eu e era livre.
Por fim, surgiu um pequenino momento de regresso a uma maior consciência do manto verde, com retalhos de granito, por baixo de mim. Olhei com olhos de ver e a solidão e a tristeza daquela que, em breve, seria a menina dos meus olhos, levaram a que me aproximasse.
Ela tinha um rosto oval e bonito, os cabelos negros estavam presos numa trança que lhe caía pelas costas. Mas foram os seus olhos, de uma cor indefinida, que imediatamente me mostraram maravilhas.
Calçava sandálias de tiras de couro, vestia calças de ganga desbotadas pelo uso e uma camisola de algodão, de mangas curtas, com riscas vermelhas e azuis. E, para minha delícia, tinha a idade certa para eu poder falar-lhe e ela ouvir-me - era muito nova.
Estava sentada debaixo de uma oliveira, aproveitando a sombra. Mantinha-se um nadinha encostada ao tronco, deixando as suas pernas descansarem na terra macia.
Aproximei-me devagarinho e com ares de convidada. Ela viu-me e certamente achou natural que eu parasse a alguma distância dela. Olhou para mim durante um bocadinho, depois estendeu uma das mãos na minha direcção e mexeu os dedos. Talvez ela esperasse que eu me afastasse, mas não me mexi. Em seguida, ela pegou numa pedra pequenina e atirou-a para perto de mim, com cuidado. Só para lhe fazer a vontade, levantei num voo rasteiro, dei duas voltas e pousei novamente. Quando voltei a olhá-la, ela sorria-me maravilhada.
Foi assim que tudo começou. Naquele instante, ficamos ambas a saber que éramos amigas. E, ainda sorridente, ela começou a falar-me.
— O que é para sempre? Queria tanto conhecer o tempo de um para sempre. Para sempre, para sempre, para sempre, sempre, sempre...
E a minha amiga olhava-me, novamente, com vestígios de tristeza e de solidão. Mas só duraram uns segundos. Ela riu, abanou a cabeça e o sol brilhou outra vez.
Longo tempo me deixei estar assim, esquecendo-me de responder à pergunta que a linda menina me tinha feito. Até que, por fim, a resposta surgiu:
Deixei que todo o meu corpo se elevasse e parti à procura de luz para seguir, raios de sol filtrados por farrapos de nuvens. Deixei-me simplesmente ser... para correr por entre astros cintilantes, feitos de sonho e de beleza, no corpo de cristal que é estrela e nave. Meu refúgio sob as tuas asas, minha morada... e ser casa pequenina, esfera que brinca e gira no céu azul. E correr. Parar. Correr, correr. Dançar no ar puro e leve, voar até ao infinito. E brilhar!... Sentir o meu coração agradecido pelos sonhos, pelo amor. Ser um com o universo. E ainda querer estar aqui e ser o corpo que dança, a nave que vagueia. Eu e todos. Eu. Inventar sempre novos caminhos. Seguir somente os passos da minha vontade. E ser totalmente na liberdade do voo. Ser essência e ser sonho. Ser feliz e, por momentos, ser para sempre!
O meu voo terminou. Dei um último giro, mais lento, e suavemente deslizei até ao chão.
Ela riu para mim, com lágrimas de felicidade nos seus olhos de cor indefinida. Depois levantou-se e começou a correr, voltando para casa. Uns passos à frente, parou por um bocadinho, atirou-me um beijo e disse:
— Agora já sei, obrigada!
Encontramo-nos durante muitas manhãs, à mesma hora. Ela estava sempre sentada debaixo da oliveira, à minha espera. Eu chegava, parava um pouco distante dela e olhávamo-nos. Depois, ela sorria-me e falava. Fazia perguntas difíceis, com ar de brincadeira. Ou então ria-se de mim, fazendo-me perguntas para as quais só ela conhecia as respostas. E eu também me divertia.
— Vou passar a rir como tu, sem fazer barulho. Se tu te ris assim, é porque é assim que deve ser...
Claro que não era. E eu não queria, de modo nenhum, perder o som cristalino das gargalhadas dela. Quando ela ria todo o mundo ganhava cor. Comigo isso era uma impossibilidade. Mas ria com ela, brilhando de contentamento.
Lembrarei para sempre como as minhas manhãs eram belas. Esperava ansiosa o nascer do sol. Cada raio de sol, do novo dia, trazia-me a alegria e o brilho dos olhos dela. E eu encontrava nas cores da manhã a sua presença, sentia no ressurgir da vida a sua vivacidade e tudo à minha volta evocava os seus movimentos, a maneira como ela se movia, quase dançando. E sempre, sempre a pureza do seu riso. Ela estava em todo o lado, era todo o meu mundo. Era a magia dela que fazia o mundo ser admirável. E quando eu deslizava no ar, sentia o seu carinho e o seu perfume. O meu mundo tinha sentido.
Cada encontro com ela apagava as memórias da sua ausência. E eu acreditava sempre tê-la conhecido. Ela era eu e eu era ela.
E dia após dia foi-se consumindo o Verão. Mas eu gostei ainda mais do mundo com as cores de Outubro. Ela falava-me do aroma intenso e agradável das maçãs, do anis e da cidreira a secarem ao sol, agora suave e aconchegante. Contava-me histórias de pés descalços na terra lavrada, húmida e macia. Dizia-me que com o vento que soprava de Oeste, viria tempo húmido e chuvoso. Mandava-me proteger do vento do Norte, que agora traria tempo muito frio.
À nossa volta, misturados com um restinho de Verão que não queria morrer, havia bocadinhos de Inverno nascidos prematuramente. Mas era ainda o tempo da magia, o mundo das cores multifacetadas, dos aromas fortes, dos sons renovados e dos sentidos completamente despertos. E a minha feiticeirinha brilhava, também ela, com as cores de Outubro.
E foi assim durante muito tempo, até que outro tempo surgiu.
Não lamento o dia em que separei os átomos do meu corpo, passando a ter apenas o tamanho de um grão de pó, mas onde todo o meu ser se concentrara. Assim teve que ser, para eu poder acompanhar a minha linda menina na sua partida para terras distantes.
Estive sempre com ela. Falei-lhe noite após noite, mas o seu conhecimento de mim perdera-se e ela já não me ouvia. Se ela pudesse encontrar-me, ver que eu estive sempre lá...
Fui a cor clara do sol da manhã, despertando-a. Fui a água que brinca e ri, no rio onde ela mergulhava. Fui a sombra no seu corpo, ao meio dia. Fui a areia branca e quente a seus pés, na praia infindável. Fui a carícia do vento nos seus cabelos. Fui as cores do pôr do sol e os reflexos nos seus olhos. Fui brilho na noite estelar, só para ela.
E foi assim até ao fim.
Estava plenamente consciente da realidade do meu voo para outras paragens, mas nem por isso me sentia apreensiva. Deixei que os novos caminhos se estabelecessem sem reservas da minha parte e, quando dei por mim, estava na aldeia.
Levada pelo aparecimento súbito do sentido de sobrevivência, bem depressa pensei que era loucura não voltar para trás. Mas, por muitas ordens que eu desse, nenhum átomo me obedecia e eu vagueava por horizontes novos.
Tinha a minha imaginação em festa e, apesar dos perigos que os arbustos e certos recantos escondiam, estava feliz.
Não lembro quantas voltas dei, olhando com pouca atenção a eira e os campos em redor. Saboreava a satisfação plena, a beleza de saber-me leve e poder deslizar sem esforço, fazendo curvas segundo uma linha imaginária e imutável.
Era só eu e era livre.
Por fim, surgiu um pequenino momento de regresso a uma maior consciência do manto verde, com retalhos de granito, por baixo de mim. Olhei com olhos de ver e a solidão e a tristeza daquela que, em breve, seria a menina dos meus olhos, levaram a que me aproximasse.
Ela tinha um rosto oval e bonito, os cabelos negros estavam presos numa trança que lhe caía pelas costas. Mas foram os seus olhos, de uma cor indefinida, que imediatamente me mostraram maravilhas.
Calçava sandálias de tiras de couro, vestia calças de ganga desbotadas pelo uso e uma camisola de algodão, de mangas curtas, com riscas vermelhas e azuis. E, para minha delícia, tinha a idade certa para eu poder falar-lhe e ela ouvir-me - era muito nova.
Estava sentada debaixo de uma oliveira, aproveitando a sombra. Mantinha-se um nadinha encostada ao tronco, deixando as suas pernas descansarem na terra macia.
Aproximei-me devagarinho e com ares de convidada. Ela viu-me e certamente achou natural que eu parasse a alguma distância dela. Olhou para mim durante um bocadinho, depois estendeu uma das mãos na minha direcção e mexeu os dedos. Talvez ela esperasse que eu me afastasse, mas não me mexi. Em seguida, ela pegou numa pedra pequenina e atirou-a para perto de mim, com cuidado. Só para lhe fazer a vontade, levantei num voo rasteiro, dei duas voltas e pousei novamente. Quando voltei a olhá-la, ela sorria-me maravilhada.
Foi assim que tudo começou. Naquele instante, ficamos ambas a saber que éramos amigas. E, ainda sorridente, ela começou a falar-me.
— O que é para sempre? Queria tanto conhecer o tempo de um para sempre. Para sempre, para sempre, para sempre, sempre, sempre...
E a minha amiga olhava-me, novamente, com vestígios de tristeza e de solidão. Mas só duraram uns segundos. Ela riu, abanou a cabeça e o sol brilhou outra vez.
Longo tempo me deixei estar assim, esquecendo-me de responder à pergunta que a linda menina me tinha feito. Até que, por fim, a resposta surgiu:
Deixei que todo o meu corpo se elevasse e parti à procura de luz para seguir, raios de sol filtrados por farrapos de nuvens. Deixei-me simplesmente ser... para correr por entre astros cintilantes, feitos de sonho e de beleza, no corpo de cristal que é estrela e nave. Meu refúgio sob as tuas asas, minha morada... e ser casa pequenina, esfera que brinca e gira no céu azul. E correr. Parar. Correr, correr. Dançar no ar puro e leve, voar até ao infinito. E brilhar!... Sentir o meu coração agradecido pelos sonhos, pelo amor. Ser um com o universo. E ainda querer estar aqui e ser o corpo que dança, a nave que vagueia. Eu e todos. Eu. Inventar sempre novos caminhos. Seguir somente os passos da minha vontade. E ser totalmente na liberdade do voo. Ser essência e ser sonho. Ser feliz e, por momentos, ser para sempre!
O meu voo terminou. Dei um último giro, mais lento, e suavemente deslizei até ao chão.
Ela riu para mim, com lágrimas de felicidade nos seus olhos de cor indefinida. Depois levantou-se e começou a correr, voltando para casa. Uns passos à frente, parou por um bocadinho, atirou-me um beijo e disse:
— Agora já sei, obrigada!
Encontramo-nos durante muitas manhãs, à mesma hora. Ela estava sempre sentada debaixo da oliveira, à minha espera. Eu chegava, parava um pouco distante dela e olhávamo-nos. Depois, ela sorria-me e falava. Fazia perguntas difíceis, com ar de brincadeira. Ou então ria-se de mim, fazendo-me perguntas para as quais só ela conhecia as respostas. E eu também me divertia.
— Vou passar a rir como tu, sem fazer barulho. Se tu te ris assim, é porque é assim que deve ser...
Claro que não era. E eu não queria, de modo nenhum, perder o som cristalino das gargalhadas dela. Quando ela ria todo o mundo ganhava cor. Comigo isso era uma impossibilidade. Mas ria com ela, brilhando de contentamento.
Lembrarei para sempre como as minhas manhãs eram belas. Esperava ansiosa o nascer do sol. Cada raio de sol, do novo dia, trazia-me a alegria e o brilho dos olhos dela. E eu encontrava nas cores da manhã a sua presença, sentia no ressurgir da vida a sua vivacidade e tudo à minha volta evocava os seus movimentos, a maneira como ela se movia, quase dançando. E sempre, sempre a pureza do seu riso. Ela estava em todo o lado, era todo o meu mundo. Era a magia dela que fazia o mundo ser admirável. E quando eu deslizava no ar, sentia o seu carinho e o seu perfume. O meu mundo tinha sentido.
Cada encontro com ela apagava as memórias da sua ausência. E eu acreditava sempre tê-la conhecido. Ela era eu e eu era ela.
E dia após dia foi-se consumindo o Verão. Mas eu gostei ainda mais do mundo com as cores de Outubro. Ela falava-me do aroma intenso e agradável das maçãs, do anis e da cidreira a secarem ao sol, agora suave e aconchegante. Contava-me histórias de pés descalços na terra lavrada, húmida e macia. Dizia-me que com o vento que soprava de Oeste, viria tempo húmido e chuvoso. Mandava-me proteger do vento do Norte, que agora traria tempo muito frio.
À nossa volta, misturados com um restinho de Verão que não queria morrer, havia bocadinhos de Inverno nascidos prematuramente. Mas era ainda o tempo da magia, o mundo das cores multifacetadas, dos aromas fortes, dos sons renovados e dos sentidos completamente despertos. E a minha feiticeirinha brilhava, também ela, com as cores de Outubro.
E foi assim durante muito tempo, até que outro tempo surgiu.
Não lamento o dia em que separei os átomos do meu corpo, passando a ter apenas o tamanho de um grão de pó, mas onde todo o meu ser se concentrara. Assim teve que ser, para eu poder acompanhar a minha linda menina na sua partida para terras distantes.
Estive sempre com ela. Falei-lhe noite após noite, mas o seu conhecimento de mim perdera-se e ela já não me ouvia. Se ela pudesse encontrar-me, ver que eu estive sempre lá...
Fui a cor clara do sol da manhã, despertando-a. Fui a água que brinca e ri, no rio onde ela mergulhava. Fui a sombra no seu corpo, ao meio dia. Fui a areia branca e quente a seus pés, na praia infindável. Fui a carícia do vento nos seus cabelos. Fui as cores do pôr do sol e os reflexos nos seus olhos. Fui brilho na noite estelar, só para ela.
E foi assim até ao fim.
Um poema antigo
que fiz aos dias da minha vida?
se passei pelas mesmas ruas
nunca lhes vi a cor...
se rodopiei com os mesmos ventos
nunca lhes conheci o sabor...
não sei se me perdi na virtude ou no vício...
não sei se era indiferente ou se amava...
só sei que esqueci a chuva, quando chovia
e o sol, quando o dia clareava...
se passei pelas mesmas ruas
nunca lhes vi a cor...
se rodopiei com os mesmos ventos
nunca lhes conheci o sabor...
não sei se me perdi na virtude ou no vício...
não sei se era indiferente ou se amava...
só sei que esqueci a chuva, quando chovia
e o sol, quando o dia clareava...
Mito de Sísifo
Camus disse que era preciso imaginar o Sísifo feliz – actualmente eu não consigo conceber um Sísifo que não seja feliz. Sim, mesmo carregando a rocha montanha acima, mesmo sabendo que a rocha chegará ao topo do monte e necessariamente rolará atá lá baixo e tudo recomeçará de novo... não vejo a inutilidade de outrora. Pelo contrário, vejo instantes profundamente significativos... vejo a pausa reconfortante, o olhar que se deslumbra com a beleza da montanha, os olhos que se fecham suavemente sob o sol intenso. Será preciso algo mais?...
Sisyphus, by Titian.
Sisyphus, by Titian.
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
Sonhos 1.5
Vou começar com um sonho que tive a semana passada: não sei se seria o início do sonho ou não, mas não me lembro de nada antes, nessa parte eu estou numa manifestação numa cidade americana (não sei qual), no inicio do século passado. Estou acompanhada por um homem jovem e extraordinariamente bem parecido. Ele pergunta-me se eu me lembro daquilo que estamos a ver, ao que eu respondo que não. E de imediato mudamos de cenário. Na imagem seguinte eu estou com ele dentro de uma casa, junto a uma janela, vejo uma paisagem urbana imponente, toda em pedra, mas de modo algum familiar... Há diversas ruas que se cruzam... mas mesmo à minha frente, vejo uma rua que parece ser muito grande. Nos edificios de ambos os lados do início dessa rua, há duas estátuas gigantescas e iguais: um homem nu a espetar uma espada num dragão... o homem do meu sonho pergunta-me se eu sei o que é aquilo e eu respondo que é fácil, é S. Jorge. A resposta irrita profundamente o homem do sonho, que diz qualquer coisa numa língua desconhecida para mim. Logo de seguida estamos noutra cidade, que me faz lembrar a idade média, entramos noutra casa... na sala há outro homem, está aparentemente a meditar. O homem que me acompanha pergunta-me se eu sei quem é a pessoa que está a meditar e eu digo que sim, refiro o nome de um amigo meu. Desta vez o homem do meu sonho sorri e acena que sim. Eu aproximo-me do meu amigo e nesse instante ele abre os olhos e vê-me, sorri, reconhece-me. De imediato o sonho muda e estamos os três noutro sítio, num deserto. Nessa altura o meu amigo vira-se para o homem que me acompanha e agradece a presença dele, chama-lhe venerável Hórus. Eu desato a rir e digo que aquele não é nada Hórus, onde é que está a cabeça de pássaro? Bom, isso irrita verdadeiramente o homem do meu sonho, que se aproxima de mim e me dá uma valente bofetada, que me projecta pelo ar alguns metros... e, antes de bater no chão, acordo.
Pois!... :) Bom, já agora vou contar outro, que aconteceu antes da noite de Imbolc. Sonhei que estava dentro de um círculo feito por uma cobra enorme, não ouroboros, era uma cobra com duas cabeças, uma cabeça em cada extremidade, que estavam juntas na entrada do círculo. E várias pessoas estavam no meu sonho, gritavam para eu fugir dali, mas eu não sentia nenhum medo, a cobra gostava de mim. Mas tanto insistiram que eu saltei o corpo da cobra e saí do circulo e, nesse instante, a cobra ficou furiosa e tentou apanhar-me com ambas as cabeças... acordei bem assustada.
Mais tarde, nesse dia, chegou mais um livro de uma colecção do circulo de leitores que eu ando a fazer. Era sobre os celtas. Bom, ao ver os torques (um torque é um típico colar celta, um círculo que não está unido e que muitas vezes termina com duas cabeças de animais, incluindo serpentes), não consegui deixar de associar ao meu sonho... Na verdade, senti uma espécie de revelação, uma sensação muito intensa de que era aquele o símbolo representado no sonho. Será? :)
Pois!... :) Bom, já agora vou contar outro, que aconteceu antes da noite de Imbolc. Sonhei que estava dentro de um círculo feito por uma cobra enorme, não ouroboros, era uma cobra com duas cabeças, uma cabeça em cada extremidade, que estavam juntas na entrada do círculo. E várias pessoas estavam no meu sonho, gritavam para eu fugir dali, mas eu não sentia nenhum medo, a cobra gostava de mim. Mas tanto insistiram que eu saltei o corpo da cobra e saí do circulo e, nesse instante, a cobra ficou furiosa e tentou apanhar-me com ambas as cabeças... acordei bem assustada.
Mais tarde, nesse dia, chegou mais um livro de uma colecção do circulo de leitores que eu ando a fazer. Era sobre os celtas. Bom, ao ver os torques (um torque é um típico colar celta, um círculo que não está unido e que muitas vezes termina com duas cabeças de animais, incluindo serpentes), não consegui deixar de associar ao meu sonho... Na verdade, senti uma espécie de revelação, uma sensação muito intensa de que era aquele o símbolo representado no sonho. Será? :)
meu amor
Alexandre, meu amor, escrevi isto noutro lado, já em 2001, contudo creio que nunca chegaste a ler... de modo que aqui fica de novo (reescrito). :)
Porque é que eu não sei
qual foi o instante exacto
em que comecei a amar-te?
Porque é que me lembro da lua e do sol,
das estrelas e do vento nos meus cabelos,
mas não me lembro
do instante em que comecei a amar-te?...
Trago dentro de mim instantes eternos,
momentos luminosos...
Mas tu não fazes parte de instantes,
existes em mim como um todo
e não consigo nem quero
partir-te em instantes.
Quando penso em ti
comovo-me e sorrio,
lembro-me de milhares dos meus eus
que tu nunca conheceste
e dos quais já fazes parte.
Quando penso em ti
recrio a realidade
transformo o meu passado
que agora já não existe isolado de ti.
E eu já não sei
nas minhas memórias
quando sou eu, só eu...
Porque é que eu não sei
qual foi o instante exacto
em que comecei a amar-te?
Porque é que me lembro da lua e do sol,
das estrelas e do vento nos meus cabelos,
mas não me lembro
do instante em que comecei a amar-te?...
Trago dentro de mim instantes eternos,
momentos luminosos...
Mas tu não fazes parte de instantes,
existes em mim como um todo
e não consigo nem quero
partir-te em instantes.
Quando penso em ti
comovo-me e sorrio,
lembro-me de milhares dos meus eus
que tu nunca conheceste
e dos quais já fazes parte.
Quando penso em ti
recrio a realidade
transformo o meu passado
que agora já não existe isolado de ti.
E eu já não sei
nas minhas memórias
quando sou eu, só eu...
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