Quando voltei do almoço, fiquei a pensar em que medida a minha atitude mudou nos últimos anos... fui procurar-me, naquilo que eu escrevia lá pelo ano 2000. À volta do tema do Mito de Sisifio, encontrei isto:
«Liga-se muito o existencialismo aos pensadores ateus, não? O existencialismo não é necessariamente um modo de pensar ateu. Santo Agostinho e Pascal são, na essência, pensadores existencialistas. E o existencialismo de Sartre está muito longe de ser realmente uma novidade, já para não falar das influências óbvias de Heidegger (mas aqui já estou a falar por ouvir dizer, eu nunca li nem tenciono ler nada de nada de Heidegger. Hmm, que queres? Não gosto do nome do tipo. Hehehehe). Bom, mas dizia eu que Sartre foi um nadinha mais longe e atirou-nos com essa do en-soi e pour-soi. Uma classificação ontológica interessante. Mas como a filosofia não é nem de perto nem de longe a minha área, quero que se foda a definição ontológica do Ser. Hehehehe. Não te chateeis, tava só a brincar. De resto, não concordo nada que a existência humana seja absoluta, contigente, absurda. E é sempre isso que o Sartre nos quer transmitir seja na "Náusea", ou no próprio "L´être et le néant", hmm, também li duas peças de teatro dele: "Os Sequestrados de Altona" e "As Mãos Sujas". Mas quanto a isso de teatro, prefiro de longe Samuel Beckett.
Bom, mas claro que o homem não era parvo de todo, aliás, não era nada parvo. Não cometeu o erro do Hegel de fazer do nada "algo"... quero dizer, que não lhe atribui nomes, coisas, substantivos. Sabia bem que o nada é simplesmente nada. Pois é, parece uma verdade à La Palice, mas vê lá se muitos filósofos chegam lá... ;). Falta-lhes uma disciplina de Lógica no currículo, mas que havemos de fazer? :P
Camus. Ai de mim, eu simplesmente adoro Camus, é uma reminiscência do meu passado da qual não me consigo libertar, nem quero. Quando li "O Estrangeiro" e "O Mito de Sísifo", a minha vida mudou. Bom, mas na altura eu tinha aí uns 17 anos, ou menos. Não importa, o que é certo é que a minha vida mudou mesmo. Mas nem vou falar disso...
Sim, sim, é outro dos senhores do absurdo, mas quanto ao Camus... eu simplesmente não consigo dizer mal. Que queres? É assim, como poderia nem ser, mas é. Gostei particularmente da "Queda" e da "Peste", qualquer um deles, acho-os magistralmente escritos. Depois, li tudo (ou quase tudo) o que havia para ler do homem... Porque não?
"O Mito de Sísifo" influenciou-me muito, sobretudo nisso de imaginarmos o Sísifo feliz, sim, feliz. Não achas a ideia admirável? Sísifo continuamente a carregar a rocha dele montanha acima e, ainda assim, feliz. Sabendo sempre que a rocha haveria de rolar monte abaixo e que ele teria que a carregar de novo. É o tipo de determinação em que eu acredito. Creio que, de facto, interiorizei essa determinação em ser feliz, apesar das merdas com que o mundo me atira. Interiorizei essa determinação em acreditar que a humanidade é fundamentalmente boa, apesar de ter sido, algumas vezes, mutilada por seres humanos que nada valiam. Só não interiorizei foi a absoluta falta de sentido da vida, o absurdo. Não, para mim a vida tem todo o sentido que eu quiser que tenha, todo o sentido que eu for capaz de lhe dar.
"O Mito de Sísifo" mostrou-me também a rotina, a terrível rotina. Levantar, 4 horas de trabalho, almoço, mais 4 horas de trabalho, jantar, ver televisão, deitar e levantar outra vez. Com o Mito de Sísifo o meu porquê levantou-se e eu comecei imediatamente a lutar contar a rotina, antes ainda de ela ter qualquer hipótese de se instalar. E é uma luta da qual não abdico...
"O Homem Revoltado". Sim, senti fortemente o desesperado confronto entre a interrogação do homem e o silêncio do mundo. Mas já deixei de sentir que a vida seja absurda. "Se em nada se acredita, se nada possuí um sentido e se não podemos afirmar nenhum valor, tudo se torna possível e tudo carece de importância". Mas deixemos isso...
Sabes, continuo a acreditar na felicidade como destino. E o mundo atira-me com sofrimento. Mas que importa isso? Eu tenho o direito de continuar a acreditar naquilo que bem quiser, enganar-me se preciso for. Ou não tenho? Voltando ao homem revoltado: "à falta de uma felicidade incansável, um longo sofrimento ao menos constituiria um destino. Mas não, as nossas piores torturas terão um dia que acabar. Certa manhã, após tantos desesperos, uma irreprimível vontade de viver virá anunciar-nos que tudo acabou e que o sofrimento não possui mais sentido do que a felicidade." Ora, eu sei muito bem que não há verdadeiros destinos, ou pelo menos que não há destinos com sentido, mas que raio me importa isso? Eu acredito e pronto. Acredito na felicidade e no amor. E luto por eles. E como eu não me sinto disposta a desistir de lutar, hão-de aparecer, é que nem poderia ser de outra forma.
Mas, por vezes, canso-me, sabes? Por vezes, tenho vontade de fugir, de negar tudo isto. Mas eu não fujo, logo...
Bom, voltemos à literatura... Dostoievsky, para terminar, "Pode uma pessoa viver e manter-se dentro da revolta?" Nada sei quanto ao resto do mundo. Mas eu posso, a minha revolta em aceitar a falta de sentido da vida, dá-me a minha paixão de viver. A minha revolta em aceitar que a rotina se instale, dá-me a excentricidade e a loucura que dão cor ao meu mundo. A minha revolta em acreditar que a humanidade é uma merda, dá-me ágape. Olha, gosto de ser uma revoltada, hehehehe. E pouco me importa o que o resto do mundo pensa das minhas crenças. :)
Pronto, fico por aqui. Espero que tenhas um dia feliz, minha querida.»
Na verdade, muito pouco mudou... e eu continuo a ser quem sempre fui. :)
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