quinta-feira, abril 19, 2007
Acordar
Anteontem, quando saía do trabalho, ainda embrenhada nos meus pensamentos sobre questões laborais, senti o impacto do cheiro da terra quente e molhada. Apanhou-me desprevenida. Agarrou-me e abanou-me no meu entorpecimento do dia a dia, no meu sonambulismo próprio desta minha vida quotidiana, onde milhares de pensamentos povoam a minha mente a cada instante, onde me permito viver infinitos passados e futuros - e nenhum presente.
Se dissesse que foi uma espécie de epifania - mutatis mutandis -, nem sequer exagerava muito. Mas não vou dizer nada disso. ;) Contudo, não posso deixar de referir a intensa sensação de deslumbramento. Mais tarde, tive percepção que isso se deveu apenas a ter realmente estado lá, a ter vivido de facto aquele instante, o presente. Durante um momento, nada mais importou, era como se nada mais existisse a não ser aquele preciso instante. E, na verdade, nada mais existe... nada, a não ser precisos e preciosos instantes.
Não é de modo nenhum a primeira vez que isto me acontece, parece-me até que é um tipo de acontecimento mais ou menos recorrente. Lembro-me, a título de exemplo, do último eclipse lunar, em que vivi algo similar. O momento em que saí do carro no alto da montanha, onde fui talvez para me sentir mais perto do céu... e, claro!, o eclipse lunar que pareceu materializar-se à minha frente. Que posso eu dizer? A tal sensação de despertar. É o que eu sinto nesses momentos. Há indiscutivelmente o deslumbramento e a forte sensação de estar desperta, como nunca me parece que estou.
Lembrei-me agora de um velho filme, do qual me apetece falar um bocadinho. Pois é! Creio que já quase me tinha deixado deste vício de dizer o que me vai na alma. Mas parece que há vícios que nunca morrem. De resto, também não me parece que seja preciso justificar-me. ;)
O sabor da cereja, de Kiarostami. Foi um filme que me marcou bastante, há uns anos atrás, pela temática da depressão profunda. O filme começa por nos mostrar um homem num carro, às voltas numa estrada de terra batida numa paisagem árida. Bom, com um bocadinho de boa vontade, podemos concluir que o personagem anda às voltas num deserto. Que procura? Na verdade, procura muitas coisas... mas, naquele momento, concentra-se em algo específico: procura alguém que lhe tape o buraco que ele fez e onde se vai deitar para morrer um destes dias. Sim, alguém que vá ao buraco dele quando ele estiver morto e que o tape, somente isso. Mas parece que ninguém quer aceitar... Fica a questão: porque é que ele ainda se preocupa com algo tão absurdo? Eu acho que é simplesmente porque a morte planeada é tão violenta que, se não nos concentrarmos em pequenos pormenores que nos afastem mentalmente do nosso objectivo, se calhar não só não a conseguimos realizar, como ainda perdemos definitivamente a sanidade mental.
No filme (estou a contá-lo de memória, vi-o há 7 ou 8 anos, de modo que há coisas que podem falhar) há outro momento importante: ele encontra um homem que finalmente decide ajudá-lo, mas antes quer contar-lhe uma história: um suicida afasta-se de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.
Lembro-me que na altura fiquei fascinada. Também eu penso que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.
Só um outro momento do filme: o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O homem deita-se no seu buraco para morrer e o filme acaba. Mas acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...
Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... a sós, agora.
Se dissesse que foi uma espécie de epifania - mutatis mutandis -, nem sequer exagerava muito. Mas não vou dizer nada disso. ;) Contudo, não posso deixar de referir a intensa sensação de deslumbramento. Mais tarde, tive percepção que isso se deveu apenas a ter realmente estado lá, a ter vivido de facto aquele instante, o presente. Durante um momento, nada mais importou, era como se nada mais existisse a não ser aquele preciso instante. E, na verdade, nada mais existe... nada, a não ser precisos e preciosos instantes.
Não é de modo nenhum a primeira vez que isto me acontece, parece-me até que é um tipo de acontecimento mais ou menos recorrente. Lembro-me, a título de exemplo, do último eclipse lunar, em que vivi algo similar. O momento em que saí do carro no alto da montanha, onde fui talvez para me sentir mais perto do céu... e, claro!, o eclipse lunar que pareceu materializar-se à minha frente. Que posso eu dizer? A tal sensação de despertar. É o que eu sinto nesses momentos. Há indiscutivelmente o deslumbramento e a forte sensação de estar desperta, como nunca me parece que estou.
Lembrei-me agora de um velho filme, do qual me apetece falar um bocadinho. Pois é! Creio que já quase me tinha deixado deste vício de dizer o que me vai na alma. Mas parece que há vícios que nunca morrem. De resto, também não me parece que seja preciso justificar-me. ;)
O sabor da cereja, de Kiarostami. Foi um filme que me marcou bastante, há uns anos atrás, pela temática da depressão profunda. O filme começa por nos mostrar um homem num carro, às voltas numa estrada de terra batida numa paisagem árida. Bom, com um bocadinho de boa vontade, podemos concluir que o personagem anda às voltas num deserto. Que procura? Na verdade, procura muitas coisas... mas, naquele momento, concentra-se em algo específico: procura alguém que lhe tape o buraco que ele fez e onde se vai deitar para morrer um destes dias. Sim, alguém que vá ao buraco dele quando ele estiver morto e que o tape, somente isso. Mas parece que ninguém quer aceitar... Fica a questão: porque é que ele ainda se preocupa com algo tão absurdo? Eu acho que é simplesmente porque a morte planeada é tão violenta que, se não nos concentrarmos em pequenos pormenores que nos afastem mentalmente do nosso objectivo, se calhar não só não a conseguimos realizar, como ainda perdemos definitivamente a sanidade mental.
No filme (estou a contá-lo de memória, vi-o há 7 ou 8 anos, de modo que há coisas que podem falhar) há outro momento importante: ele encontra um homem que finalmente decide ajudá-lo, mas antes quer contar-lhe uma história: um suicida afasta-se de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.
Lembro-me que na altura fiquei fascinada. Também eu penso que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.
Só um outro momento do filme: o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O homem deita-se no seu buraco para morrer e o filme acaba. Mas acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...
Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... a sós, agora.
quarta-feira, abril 18, 2007
Hoje não acordei...
... pela simples razão de não ter dormido. Há 3 dias/noites que ando com insónias. Depois, durante o dia não me sinto realmente desperta. Até os meus pensamentos têm o seu quê de sonâmbulos. Hum... sinto uma estranha e invulgar tendência para pensamentos hardcore. :) Na verdade, há que dizê-lo, não se traduzem em vontade real. Sei lá. Diz que é uma espécie de curto-circuito mental que induz uma predisposição para imagens hardcore banaizinhas de tão inconsequentes. Bah!
Mudemos de assunto. Ou não. Tanto faz. Continuemos então com a estranheza. Hoje, perdida no meu absoluto torpor mental, reparei que no café, onde vou todos os dias da semana pela hora de almoço, havia uma pequenina árvore de Natal, no meio de uma prateleira, entre chicletes e chocolates. Questão: estará lá desde o Natal?... E só hoje é que reparei? Bem, que é que eu posso dizer? É claro que isto me chateia. Porque sim! A merda da minúscula arvorzinha de Natal tornou-se, de repente, importante. Sei bem que, a partir de hoje, todos os dias a procurarei mal entre no café. Como se aquele berloque da loja dos trezentos tivesse importância. Porquê!? Só porque ainda lá está, fora de tempo? E quem sou eu para definir o tempo de validade de uma árvore de natal? Sou alguma espécie de entidade reguladora? Bah!
Concordo: devia estar a dormir!!! Sniff, sniff, sniff...
Hum... Natal, não era? Bem, no Natal passado mudei a mensagem de "Bom Natal e Próspero Ano Novo" e atrevi-me a enviar para a habitual lista de sms o seguinte: "Bom Diz Que É Uma Espécie De Solstício!". Recebi uma resposta. Uma. Só uma! E não pude deixar de pensar que a culpa era dos Gato Fedorento! :) Saberão eles que por sua causa fiquei privada dos tradicionais votos de Bom Natal? E importar-se-ão?... Hum... Acho que é melhor ir beber outro café.
Mudemos de assunto. Ou não. Tanto faz. Continuemos então com a estranheza. Hoje, perdida no meu absoluto torpor mental, reparei que no café, onde vou todos os dias da semana pela hora de almoço, havia uma pequenina árvore de Natal, no meio de uma prateleira, entre chicletes e chocolates. Questão: estará lá desde o Natal?... E só hoje é que reparei? Bem, que é que eu posso dizer? É claro que isto me chateia. Porque sim! A merda da minúscula arvorzinha de Natal tornou-se, de repente, importante. Sei bem que, a partir de hoje, todos os dias a procurarei mal entre no café. Como se aquele berloque da loja dos trezentos tivesse importância. Porquê!? Só porque ainda lá está, fora de tempo? E quem sou eu para definir o tempo de validade de uma árvore de natal? Sou alguma espécie de entidade reguladora? Bah!
Concordo: devia estar a dormir!!! Sniff, sniff, sniff...
Hum... Natal, não era? Bem, no Natal passado mudei a mensagem de "Bom Natal e Próspero Ano Novo" e atrevi-me a enviar para a habitual lista de sms o seguinte: "Bom Diz Que É Uma Espécie De Solstício!". Recebi uma resposta. Uma. Só uma! E não pude deixar de pensar que a culpa era dos Gato Fedorento! :) Saberão eles que por sua causa fiquei privada dos tradicionais votos de Bom Natal? E importar-se-ão?... Hum... Acho que é melhor ir beber outro café.
sexta-feira, abril 13, 2007
quinta-feira, abril 12, 2007
Mude - Edson Marques
Mude,
mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
O novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
A nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!!
Edson Marques - http://mude.weblogger.terra.com.br/
mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
O novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
A nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!!
Edson Marques - http://mude.weblogger.terra.com.br/
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